No gosto manauara

Da feira ao gourmet: ‘temporada da manga’ faz o tradicional fruto retornar ao paladar amazonense

Seja do tipo massa, espada, rosa ou até ‘manguita’, a fruta é a que mais “cai” no gosto da clientela em feiras e mercados da capital amazonense

Lucas Motta
online@acritica.com
19/10/2024 às 12:35.
Atualizado em 19/10/2024 às 12:35

Massa, espada e rosa são as variações mais comuns desta fruta que caiu no gosto manauara neste semestre. (Foto: Lucas Motta/A CRÍTICA)

No lado de fora da feira da Manaus Moderna, no Centro da capital do Amazonas, as caixas repletas de mangas reapareceram, para a felicidade do vendedor Eucimar de Souza, 52. A fruta é a que mais “cai” no gosto da clientela e, por isso, também se torna o produto favorito do comerciante que atua há três anos no mesmo ponto, na entrada do setor de hortifruti.

Massa, espada e rosa são as variações mais comuns na banca do seu Eucimar. O carregamento de quatrocentas caixas chegou neste outubro, e nem foi preciso o mês terminar para que ele tivesse que fazer uma nova encomenda. Se não atrasar, a remessa com mais deve chegar no meio da semana que vem, vinda diretamente do estado vizinho, o Pará.

“Sempre peço aí entre trezentas e quatrocentas caixas, mas já nesse domingo tô mandando o pedido logo de quinhentas caixas porque é pra quarta-feira já estar chegando aí. E você sabe, tem que aproveitar pra pedir de monte que a venda tá boa e você paga o frete só uma vez, que tá caro”, disse o vendedor.

Eucimar de Souza, 52, comerciante da Feira da Manaus Moderna, precisou aumentar a encomenda de mangas (Foto: Lucas Motta/A CRÍTICA)

E como ficou caro. Antes do nível dos rios no Amazonas atingir patamares críticos, causados pela estiagem histórica, a caixa de manga saía, em média, a R$ 40; hoje é R$ 60 na banca do Eucimar. Segundo o comerciante, o valor ficou elevado por causa da logística de transporte na via fluvial, já que “muitas balsas acabam encalhando quando vêm pra Manaus, dependendo de como é pode até ficar presa e estragar as frutas.”

Não é apenas nas bancas de feiras que as mangas marcam presença nesta época do ano; basta passar em frente a qualquer mangueira adulta para perceber que os frutos estão lá, no aguardo para serem colhidos. A engenheira agrônoma e coordenadora estadual da Sociedade Brasileira de Arborização Urbana explicou que isso acontece porque esse tipo de árvore se adapta muito bem ao clima tropical amazônico, e o período de colheita é sempre durante o verão.

“O período de frutificação é estimulado pelo verão, já que, quando está na temporada de chuvas, a árvore se prepara para a próxima estação. Geralmente, as mangas aparecem anualmente na natureza. Árvores de produção comercial, mais intensas, têm um sistema de irrigação que aumenta essa quantidade”, disse.

Apesar de bem adaptada para uma grande variedade, como a própria manga rosa ou espada, o Amazonas não tem grande produção da fruta. O economista Altamir Cordeiro explicou que, no estado, culturalmente se pensa apenas no consumo próprio, como acontece com limão e laranja, por exemplo. No Brasil, segundo Laiane Torres, as principais regiões produtoras são Nordeste e Sudeste, que usam mudas mais duradouras e muito mais frutíferas para poder sustentar o consumo da manga no país.


A árvore é de manutenção simples e, nos primeiros anos, já produz de forma uniforme por ao menos uma década, em média. (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Mesmo com produção voltada para o consumo próprio, na capital do Amazonas é muito fácil encontrar bairros com forte arborização de mangueiras. O centro é um dos principais exemplos. A árvore é de manutenção simples e, nos primeiros anos, já produz de forma uniforme por ao menos uma década, em média, segundo a coordenadora Torres. Trata-se de uma excelente opção para quintais de casas, mas alguns cuidados precisam ser tomados na hora do plantio e também da manutenção.

“A gente recomenda o plantio em locais que tenham espaço, quintais grandes e permeáveis, em que possam crescer e se adaptar. Precisa ser pelo menos cinco metros longe de paredes e edificações, porque o crescimento pode afetar essas construções”, explicou Laiane.

A manutenção também é um fator muito importante, não apenas para a saúde da árvore, mas para a segurança dos imóveis e para evitar sinistros, como a queda delas. Se a mangueira estiver em espaço público, é de responsabilidade das prefeituras a poda.

Em Manaus, quem faz o serviço é a Secretaria Municipal de Limpeza Pública (SEMULSP). No caso de propriedades privadas, é do proprietário, no entanto, ele precisa de uma autorização, que é emitida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente através do e-mail: semmas.protocolo@gmail.com.

Manga para os brasileiros

Segundo um levantamento feito pelo pesquisador Alberto Carlos de Queiroz Pinto, da Embrapa, a manga é uma das mais importantes frutas tropicais que compõem a dieta alimentar das classes média e alta brasileiras, com um consumo médio per capita de cerca de 1,2 kg por ano. Mas, nas classes sociais mais baixas, ela também está presente, mesmo que de forma mais esporádica. Por causa disso, o fruto ganhou até mesmo sua data comemorativa: dia 22 de julho.

Chef de cozinha Karol Lima ensinou alguns pratos da região e, lógico, tendo manga como item dos ingredientes (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Com tamanha participação, a manga consegue ser aproveitada de diversas e variadas formas, principalmente na cozinha. A chef Karol Lima preparou um banquete completo baseado na fruta.

De entrada, um ceviche de manga com atum (pimenta de cheiro, pimentão vermelho defumado, atum, manga Tommy, limão, sal, pimenta e chips de banana).

Entrada de ceviche de bodó com manga e chips de banana frita, (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Como prato principal, um risoto de gorgonzola com magret de pato e geleia de manga (cebola roxa, alho, pimenta dedo-de-moça, pimentão, vinagre de vinho branco, sal, pimenta, limão, canela, pimenta-do-reino, açúcar e água). Para fechar, com sobremesa, teve torta de manga e um sorvete de geleia de manga.

Os pratos, que enchem os olhos (e saciam o estômago), são exemplos de como a fruta pode ser bem utilizada dentro de uma dieta. Karol explicou que a manga tem uma grande combinação com pratos mais típicos, além de também servir como acompanhamento ou “protagonista” da receita.

“A manga é sensacional, dá pra fazer pratos salgados e doces. Ela combina com porco, com peixe, com frango, cabrito, bode, é muito versátil. Dá pra fazer de mil formas, sem perder a essência e o sabor. A manga verde, por exemplo, a gente consegue colocar na carne como se fosse creme de limão. A madura dá pra fazer várias sobremesas”, explicou.

Risoto de gorgonzola com Magret de pato e manga como prato principal (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Mesmo com a facilidade de se trabalhar com a manga, até pela variedade, é importante saber por onde começar a usá-la na cozinha. Karol indicou a receita de um creme de manga como uma das primeiras para aproveitar o fruto tão presente no dia a dia dos brasileiros.

“Pega a manga, tira a casca, despolpa ela, e no liquidificador coloca a polpa, creme de leite e leite condensado. Se quiser mais firme, dá pra colocar gelatina sem sabor. Daí você já tem um creme de manga”, disse a chef.

Sobremesa de creme de manga com geleia de manga verde (Foto: Daniel Brandão/A CRÍTICA)

Karol também destacou que não é apenas a manga que tem essa variedade, mas toda a gastronomia amazônica, com peixes, frutas e plantas comestíveis. Por outro lado, ela destacou que faltam incentivos para que todos esses materiais possam ser aproveitados por quem vive na região.

“Há falta de incentivo. Lá na UFAM, por exemplo, tem pesquisa na área de engenharia de alimentos. Mas precisa-se de recursos para custear. No IFAM, várias e várias vezes alunos e professores tiraram dinheiro do bolso para poder ir para laboratórios estudar e fazer testes com pratos feitos com matéria-prima do bioma amazônico porque não havia recursos”, comentou.

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