ENTREVISTA DA SEMANA

CPI e ações contra medidores aéreos atrapalharam 'saúde' financeira da Amazonas Energia

Avaliação foi feita pelo diretor institucional da empresa que está a um passo de perder a concessão do serviço

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
07/07/2024 às 07:39.
Atualizado em 07/07/2024 às 07:39

Diretor da Amazonas Energia, Radyr Gomes de Oliveira, disse que a empresa está adotando medidas para não faltar energia em municípios afetados pela seca (Foto: Jeiza Russo)

Para o diretor institucional da Amazonas Energia, Radyr Gomes de Oliveira, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) e as ações judiciais movidas contra os medidores aéreos prejudicaram a busca da empresa por um equilíbrio financeiro. Atualmente, a companhia discute a venda da concessão por um preço simbólico, o que o gestor evitou comentar por estar sendo acompanhado pela presidência da Amazonas Energia e o governo federal. 

Em entrevista para A CRÍTICA, ele também informou como a empresa se prepara junto à Refinaria da Amazônia (Ream) e as termelétricas independentes para evitar que falte energia no interior durante a seca dos rios neste segundo semestre. Confira.

A Amazonas Energia tem sido alertada pela Defesa Civil, desde o início do ano, sobre a seca de 2024. Quais medidas estão sendo tomadas para evitar racionamento, como aconteceu em São Gabriel da Cachoeira, em 2023?

A gente participa desse grupo da Defesa Civil com o coronel Máximo. A Amazonas Energia é distribuidora. Nosso papel é distribuir a energia. Nos municípios do interior, 98% da produção é independente. Ou seja, há um produtor independente que entrega para a Amazonas Energia e a gente faz a distribuição. Apesar disso, quando a energia falta, ninguém vai cobrar o produtor independente. É sempre a Amazonas Energia que atende a ponta, o cliente. Então, estamos tendo todos esses cuidados. Além de reuniões com a Defesa Civil e outros órgãos do estado, a gente também teve uma reunião na semana retrasada com a Aneel. Ela esteve aqui e foram convocados todos os produtores independentes e a distribuidora de petróleo do estado, o Grupo Atem. Foi uma reunião interna de alinhamento para saber quais as providências esses entes estavam tomando para não deixar de ter o suprimento de energia no município. Então, estamos bem estruturados. Os produtores independentes se estruturaram melhor, porque ano passado foi muito triste, mas também houve muito aprendizado. Tenho certeza, absoluta, que nos preparamos melhor, apesar de a previsão ser que a estiagem tenha um nível mais crítico que no ano passado. 

Quando houve risco de racionamento de energia, e até no caso de São Gabriel, que realmente passou por isso, o grande problema era levar diesel para as termelétricas, que produzem a energia. Pensaram em um plano especificamente para que esse problema não se repita?

Tudo isso foi levado em consideração. Sobre o que aconteceu em São Gabriel da Cachoeira, o rio Negro é o único com o seu leito definido, os demais estão em processo de transformação. O rio Negro teve esse problema, baixou muito mais do que o histórico. Para este ano, já com a distribuidora de petróleo e o produtor independente do município, teremos uma 'balsa-pulmão' agora para que no período da seca a gente tenha combustível naquele local para atender à demanda do município. Então, tudo isso já foi estruturado junto aos produtores independentes e a distribuidora de petróleo. Ou seja, os pedidos para abastecimento de usinas e os pedidos para ter essa balsa-pulmão no porto de cada uma dessas cidades. 

Por que é chamada balsa-pulmão?

A balsa-pulmão tem os tanques da usina, o mesmo reservatório. Ela é grande e fica abastecida com 3,5 milhões, 4 milhões de litros de combustível no porto. É como um estoque que pode ser usado caso haja dificuldade de levar o diesel na seca. Em São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, é em torno de 1 milhão de litros por mês, então esse reservatório poderia assegurar três meses só no porto, sem contar o que está abastecido na usina. Além disso, eles também estão estruturados com balsas menores que podem levar 1 milhão de litros ao invés de uma quantidade maior, porque ela tem mais facilidade para navegar.

Isso também está sendo pensado para outros municípios?

Eles também fizeram essa estruturação no Alto Solimões, Tabatinga, Benjamin Constant, no Alto Juruá, em Eirunepé, que pode levar para Ipixuna. Desce um pouco, para Itamaraty. Então, tudo isso foi pensado para essas regiões. Ter uma balsa também na calha do rio Purus. Nele há uma facilidade, porque consigo abastecer Lábrea por via terrestre. Assim como chego em Boca do Acre a partir de Porto Velho. Em Humaitá e Apuí, também há via terrestre. Santo Antônio do Matupi, uma comunidade de Manicoré, também tem acesso por terra. Então, temos esse mapa, essa logística toda bem estruturada para não passarmos pela mesma dificuldade do ano passado.

No ano passado, a gente teve um recorde de consumo de energia durante o verão, o que ocasionou falhas no serviço por mais de uma vez. Como está a preparação para que a gente consiga lidar com o consumo excessivo no verão e para não haver falha no serviço?

Ano passado foi um grande aprendizado para todos nós. Manaus bateu recorde já em outubro. Foram 1.772 megawatts de ponta naquele período, quando esperávamos isso só para novembro. Analisamos tudo isso e a estimativa é que essa ponta pode chegar um pouco mais cedo novamente. O que temos orientado às famílias, aos nossos clientes, é que é um período de alto consumo, muito calor, todo mundo quer usar ar-condicionado, enfim. As pessoas, às vezes, não tomam determinados cuidados e quando chega no fim do mês a conta vem mais alta, causa um problema terrível. Temos orientado o uso da energia, que é extremamente necessária, mas de forma consciente, para evitar uma série de situações e não ser surpreendido. O aumento do consumo também aumenta as nossas perdas não técnicas, que é a perda comercial. Isso é muito ruim. 

Para além da orientação às famílias, existe algo que a própria empresa pode fazer para atender essa maior demanda por consumo?

Eu tenho que ter mais capacidade de transformação naqueles postos de transformadores, porque houve muita demanda de queimada de transformadores. Então, a gente mudou muita coisa em Manaus, trabalhamos muito durante o ano para que tivéssemos  recondutoramento entre os cabos, substituição de transformadores, o melhoramento da distribuição. 

Isso pode reduzir quedas durante o ápice de consumo?

Sim, esse trabalho foi feito para isso. As quedas de energia se deram por sobrecarga no sistema. Como trabalhamos nesses pontos críticos, isso vai reduzir, sim, as interrupções pontuais que acontecem na cidade durante esses eventos.

A imprensa tem noticiado que a Amazonas Energia deve ser vendida por um valor simbólico para outra empresa. Isso porque, a concessionária tem tido dificuldades financeiras e opera no prejuízo. Há negociações acontecendo agora? 

Sobre esse processo de mudança de controle, eu prefiro não me manifestar, porque não compete à Amazonas Energia. Ele está com o governo federal, com a Aneel, o Ministério de Minas e Energia. 

A permissão de trocar a concessão é, de fato, acompanhada pela Aneel e o MME, mas o governo já disse que negociações para a compra por outras empresas é algo privado e de competência da atual concessionária. Sobre isso, o senhor também prefere não comentar?

Sim, porque isso é tratado pela presidência da empresa e eu não tenho todas as informações sobre o que está sendo tratado, até mesmo porque ocorre em Brasília, não aqui. É a Aneel que dá anuência para troca de investidor.

Quando se falou sobre a instalação dos medidores aéreos de energia, um dos objetivos era reduzir as perdas não técnicas, os famosos gatos, porque dão muito prejuízo à empresa. Ainda há novas instalações acontecendo?

Chegamos a instalar uma parte dos medidores SMC, não a totalidade necessária para poder realmente reduzir a perda não técnica para um patamar aceitável, mas paramos as instalações por vários processos. Houve ações judiciais, suspensão, leis que não permitiram as instalações, então tivemos todos esses problemas em 2022 e 2023 e não conseguimos avançar nesse processo. Hoje não existe impedimento para fazer essa instalação, mas optamos por fazer outros investimentos, como melhorar o sistema para passar esse forte calor, a estiagem que já se avizinha.

Vocês pararam neste ano? E há um número de quantos instalaram e qual seria o ideal para realmente reduzir as perdas não técnicas?

Paramos ainda no ano passado. Chegamos a instalar 16 mil unidades consumidoras. A ideia era instalar em torno de 400 mil, porque Manaus concentra o maior consumo do estado. E considerando toda a energia do Amazonas, seja interligada ao Sistema Nacional ou não, 80% é consumida em Manaus. Então, a ideia era concentrar os investimentos aqui, porque teríamos um grande resultado. 

Quando anunciados, os medidores tinham o objetivo de ajudar a reduzir as perdas não técnicas e melhorar a saúde financeira da empresa. Acabou que houve uma pressão da população, mas também a atuação de parlamentares, houve uma CPI, ações judiciais, chegou ao STF. Para o senhor, os deputados estaduais acabaram tendo culpa no insucesso financeiro da empresa e que agora leva à troca de concessão? 

Eu fui duas vezes depor na CPI e disse que o problema da concessão não depende só da concessionária. Todos têm que dar as mãos, seja o governo do Amazonas, a Assembleia Legislativa, o Judiciário, a Amazonas Energia e a população. É uma concessão extremamente complexa, com um estado complexo como o nosso.  Então, a gente precisa se ajudar para termos uma empresa com a saúde financeira adequada para atender a essa concessão que não é simples. Acho que todo aquele processo, de CPI, de tudo, atrapalhou muito. Passamos por muita dificuldade. Teria sido mais fácil se todos tivessem entendido o processo da distribuidora.

Se tivessem entendido e se os medidores fossem instalados naquela época, estaríamos em outro momento hoje, não falando em troca de concessão?

Sim, com certeza estaríamos em outro momento e não falando de troca de concessão, porque eu diminuiria as minhas perdas e aumentaria muito o faturamento, porque perco 43%, hoje, e teria mais dinheiro para investir e estaria em uma perda regulatória estabelecida pelo órgão regulador, que é a Aneel. Então, talvez estivesse se discutindo outro processo. 

Falamos cada vez mais de sustentabilidade, de geração de energia verde - embora a Amazonas Energia seja uma distribuidora. Como a empresa olha para esse tema, hoje? Há alguma atuação posta neste conceito?

Fizemos algumas ações como distribuidora e que quase não nos foi perguntado. Em 2023, tivemos dois eventos muito importantes para o estado e para a Amazonas Energia, a interligação de Parintins e Itacoatiara no Sistema Interligado Nacional. Ou seja, paramos de gerar energia altamente poluente com diesel nesses dois municípios, e eram as duas maiores usinas do interior, e passamos a consumir a energia do Sistema Nacional, que é uma energia limpa, a maioria de hidrelétrica. Com isso, reduzimos muito os impactos ambientais. O primeiro deles, o ruído. Era algo que incomodava muito a vizinhança e era muito complicado. A primeira usina do interior foi a de Parintins, inaugurada em 23 de dezembro de 1963. Depois veio Itacoatiara. Eu, pessoalmente, tinha um desejo de cumprir com essa missão, interligar os municípios. Hoje trabalhamos para diminuir essa geração poluente em Rio Preto da Eva, que vai ser interligada agora, em Silves e Itapiranga. Temos também um processo para interligação de Humaitá, que já está em andamento da obra, ou seja, estamos reduzindo a geração de energia térmica e cumprindo com aquilo que o governo se propôs, que é a transição energética.

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