Hoje, 21 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, data oficializada por meio de uma lei federal aprovada em 2007.
Pai de santo Alberto Jorge (Foto: Daniel Brandão)
O pai de santo Alberto Jorge afirmou que, nos últimos anos, o Brasil tem vivenciado um retrocesso no combate à intolerância religiosa, que está diretamente ligada ao conservadorismo e ao estigma de que religiões de matriz africana são demoníacas. Hoje, 21 de janeiro, é celebrado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, data oficializada por meio de uma lei federal aprovada em 2007.
“De 2008 para cá, nós já conseguimos muitos avanços, mas ao mesmo tempo, nós tivemos muitos retrocessos com essa ascensão da direita. Principalmente agora com essa reeleição do Donald Trump. Nós estamos assistindo assustados, uma espécie de retrocesso”, disse o pai de santo.
Alberto Jorge é coordenador geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratrama) e destacou a importância de relembrar, no dia 21 de janeiro, a história que marca essa data como um símbolo de resistência e luta. A data homenageia Mãe Gilda, que faleceu em 2000 após sofrer um ataque fulminante, desencadeado por agressões e difamação promovidas por membros de uma igreja evangélica. Apenas em 2007, durante o governo do presidente Lula, a data foi oficialmente reconhecida.
Diferenças
“Para os conservadores, as diferenças são um problema. Quando a mãe Gilda morreu, somente no governo Lula, dentro da política do governo dele é que a política voltada para essa questão dos respeitos às diversidades, não só a religiosa, mas diversidade cultural, étnica, política e ideológica ganha força. Ele vê a urgência e a necessidade de se trabalhar isso, de ter uma legislação que pudesse dar garantias à liberdade religiosa e pega justamente a situação de mãe Gilda ser demonizada, para torná-la símbolo de resistência daqueles que não aceitam intolerância religiosa”, lembrou.
Somente em 2023 foram 2.124 ocorrências, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Um aumento de 80% em relação a 2022. As maiores vítimas são as religiões de matriz africana, como Umbanda e Candomblé.
Para Alberto Jorge, os números refletem como a sociedade cristã encaram a presença de outras religiões e que agora com as redes sociais, os ataques ganham mais uma forma.
“No dia 8 de dezembro do ano passado, nós tivemos o vigésimo Balaio de Oxum na catedral metropolitana de Manaus e depois no encontro das águas. A revista Cenarium o fez a cobertura e colocou isso nas redes sociais e eu repostei. Se você entrar, tem mais de 70 mil visualizações e inúmeros compartilhamentos. Mas os ataques que os conservadores católicos, que os evangélicos e o povo de direita tem feito é uma coisa absurda”, afirmou.
Redes sociais
Uma das preocupações políticas do pai de santo é que esses ataques virtuais também podem ser maximizados com a nova política da Meta, responsável pelo Instagram e Facebook.
“Agora com a retirada da Meta de determinados critérios, eles estão assim: soltando os demônios deles à vontade. E você percebe um paradoxismo muito grande na fala, pois eles atribuem os atos de diálogo inter-religioso ao satanismo. Eles acusam Dom Hudson de ser satanista, a mim de ser satanista. Acusam Dom Hudson porque foi ele quem presidiu a celebração na catedral”, destacou.
O psicólogo ressaltou que para assegurar o combate da intolerância religiosa é preciso educação. Ele afirmou que o terreiro tem realizado ações em conjunto com escolas, com pastores, padres e diversas autoridades religiosas para “elevar o pensamento epistemológico”, que é uma forma crítica de ver esses assuntos.
“Quando você vê o conservadorismo avançando, logo nota-se que eles atacam a educação. Um exemplo são disciplinas mais pragmáticas como sociologia, filosofia e antropologia. A filosofia então, é uma das mais rejeitadas, porque tem maior pensamento crítico. Fortalecer esses diálogos mais realistas é uma forma de levar o ser humano a pensar de forma crítica sobre o que acredita”.
Extrema direita
Para o professor doutor em educação Adan Renê da Silva, grande parte dos preconceitos sofridos pelas religiões de matriz africana têm relação com o período escravocrata, mas tiveram influência recente de avanço da extrema direita.
“O Brasil passa, como pode ser comprovado pelo resultado da eleição presidencial de Bolsonaro e agora com as eleições municipais, por uma onda de conservadorismo reacionário que, neste caso específico, é alimentado por ideais deturpados de religiões cristãs fundamentalistas, especialmente as neopentecostais. Estas pessoas se sentem no direito de atacar física, patrimonial, psicológica e espiritualmente as religiões de matrizes africanas”, disse.
Doutor Adan Rene da Silva (Foto: Arquivo pessoal)
Doutor Adan Rene da Silva (Foto: Arquivo pessoal)
Ele ressaltou que o cenário nacional não é positivo e que é preciso mais consciência a respeito da diversidade religiosa que existe no país.
“O avanço do racismo religioso destrói templos, mata lideranças religiosas - como Mãe Bernadete recentemente (2023) -, associa as religiões afro a práticas demoníacas, o que leva os criminosos a se sentirem no direito de destruir imagens e demais formas de manifestação de fé destas religiões”.
O professor disse que o primeiro passo para mudar esse cenário é fomentar a consciência do respeito, de que as pessoas devem ser livres para professarem a religião que quiserem e que a beleza da humanidade é esta diversidade.
Disse também que é preciso abrir o diálogo com diferentes movimentos sociais envolvidos no tema. Dialogar com os movimentos de matriz africana, com lideranças evangélicas e católicas, para uma discussão interna sobre o respeito. E ressaltou que às políticas públicas nesse segmento são insuficientes.