Entrevista

Câncer de mama em pacientes no AM: ‘Diagnóstico é tardio por dificuldades no acesso’

De acordo com a mastologista e professora de Saúde da Mulhero na Ufam, o diagnóstico para câncer de mama ainda é tardio no Amazonas por dificuldades no acesso aos exames, especialmente, no interior

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
13/10/2024 às 09:55.
Atualizado em 13/10/2024 às 09:55

(Foto: Daniel Brandão/AC)

O Amazonas é o terceiro estado da região Norte com maior incidência de câncer de mama. São 28,34 casos a cada 100 mil habitantes. Uma das maiores dificuldades enfrentadas por pacientes, no estado, é o acesso aos exames que confirmam o diagnóstico. 

Essa é a avaliação da médica mastologista e professora de Saúde da Mulher no curso de medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Cintia Pinheiro. 

Para ela, as distâncias do estado e a demora para conseguir atendimentos tira um tempo precioso que pode ser a diferença entre a piora da doença ou a recuperação total das pacientes. Confira a entrevista. 


O câncer de mama é o de maior incidência entre as mulheres. Pelo que ele é caracterizado?  

O câncer de mama é o tumor mais comum entre as mulheres. Nos homens é raro, mas pode acontecer. Trata-se de uma proliferação de células que cresce de forma desordenada. O risco é que existe a capacidade de aquela célula que cresceu desordenada se espalhar e ir para outras áreas do corpo, é o que caracteriza o câncer. 

Quais as orientações básicas sobre prevenção? Há uma idade para ter mais atenção? 

O câncer de mama, quanto mais precoce a gente consegue fazer o diagnóstico, melhor para a paciente. Há maior expectativa de vida e de os tratamentos serem menos agressivos também. E como eu consigo esse diagnóstico precoce? É fazendo os exames de rotina, no caso da mamografia. Esse exame deve ser feito em mulheres a partir de 40 anos, de forma anual. Em casos excepcionais, de alto risco, que tem um histórico familiar importante de câncer de mama, esses casos devem ser acompanhados por um mastologista para avaliar se não tem que começar o exame de controle mais cedo, antes dos 40. Esse exame é importante, porque é uma forma de rastreio, inclusive para mulheres que nem sentem nada na mama. 

Não está sentindo nada, vai fazer os seus exames de rotina anual e entra a mamografia nessa situação. Naquelas que estão sentindo alguma coisa na mama, ou seja, um nódulo, ou que a mama cresceu de um lado mais do que o outro, ou mudou a forma, ou começou a sair alguma secreção do mamilo, ou sentiu um caroço na axila, a mama ficou vermelha. Qualquer coisa que mude no formato da mama, no jeito da mama, a mulher deve procurar o quanto antes, investigar e ir com um especialista, que é o mastologista, para descobrir o que é. Não necessariamente isso vai ser um sinal de câncer, mas é um sinal de alerta mesmo.

A conscientização é essencial para a prevenção, o que explica a importância da campanha Outubro Rosa, uma política pública. Com isso em mente, como você avalia as políticas de enfrentamento ao câncer de mama, de responsabilidade das três esferas de governo?

Isso é dever de todos mesmo, é fato. Como é o câncer mais comum entre as mulheres, por isso é preciso existir essa política pública de rastreio e de diagnóstico precoce dessa lesão. O que a gente sempre recomenda são medidas de orientação quanto a sinais de alerta e para fazer o exame da mamografia. A gente sabe que o Brasil tem uma alta cobertura de mamografia, mas não sei se por falta de conscientização ou dificuldade de acesso, principalmente no serviço público, em muitas mulheres esse índice de rastreamento que deveria ser feito a partir dos 40 anos não acontece, na prática, para a maioria dessas mulheres. Às vezes, é uma minoria que está fazendo.

Muitas vezes o diagnóstico acontece quando a paciente já está sentindo alguma coisa na mama, o que não seria o ideal, na verdade. O ideal é que eu conseguisse detectar a lesão pela mamografia de forma que eu nem sentisse nada na mama. Porque aí, de fato, é uma lesão precoce, que é uma coisa que eu nem sinto na mama e eu estou vendo na imagem como uma lesão suspeita de câncer. Por outro lado, o que vemos, na prática, é que a maioria dos diagnósticos não ocorre dessa forma.

Essa baixa procura pelos exames e a dificuldade de acesso guarda relação com a realidade do Amazonas, onde as unidades de saúde já são lotadas e o interior enfrenta distâncias quando não há esse serviço de saúde no município?  como avalia o cenário específico do nosso estado nessa busca pelo exame?
 
De fato, o território do nosso estado é grandioso e, realmente, as vias fluviais, a dificuldade da floresta, o acesso pelos rios, agora, por exemplo, na seca. Tudo isso dificulta a busca pelo diagnóstico precoce.

Para além da conscientização, às vezes não tem nem mesmo um mamógrafo nas cidades. A gente não tem um mamógrafo em todo o interior. A maioria se concentra na capital. Então, essa dificuldade de deslocamento, esse acesso, muitas vezes é realmente difícil para a população. E é isso que deveria, talvez, ser trabalhado. 

Estimular, nas principais cidades, pelo menos em polos, que houvesse um fluxo já direcionado, alguma medida pública nesse sentido, para que essas pacientes tivessem, além de conseguir fazer o exame, que essa é a primeira parte, também ter o acesso para fazer o tratamento.

Outro problema que deveria ser observado é a paciente ter acesso ao laudo, ter o diagnóstico. Porque, às vezes, a gente faz o exame e o laudo demora muito para sair, por exemplo. A gente vê isso na prática. E depois que tem o laudo, pode ser uma lesão que tem indicação para fazer biópsia. Para conseguir fazer a biópsia é preciso fazer na capital, o que leva mais um tempo. Até sair o resultado da biópsia é mais tempo ainda.

Até a paciente conseguir chegar à Fundação Cecon, por exemplo, para fazer o tratamento, é um longo tempo que faz toda a diferença no tratamento do câncer. Quanto mais tempo a gente demorar para começar a tratar, a lesão pode evoluir e isso vai ter impacto no prognóstico da paciente.

De acordo com o Inca, entre os estados da região Norte, o Amazonas é o terceiro em incidência de câncer de mama. Sem desconsiderar o numero populacional de cada estado, é possível dizer que essa incidência também está relacionada a dificuldade de prevenção, dificultada pelas distâncias e falta de acesso à saúde no estado?

Sim, há uma relação. O Amazonas, na verdade, além do câncer de mama, lidera os casos de câncer de colo de útero, enquanto o câncer de mama fica na terceira posição. Se for ver no resto do mundo, no resto até do Brasil, o câncer de mama é mais frequente, mas no Amazonas é o contrário. O que a gente percebe muito é que as pacientes tem o diagnóstico tardio por causa das dificuldades de acesso à saúde. 

Estamos no segundo turno da eleição municipal. Quando se fala no enfrentamento ao câncer de mama, o que é de competência da prefeitura e o que pode fazer para melhorar as políticas públicas de nível municipal?

É ampliar o acesso à mamografia. Muitas vezes eles até fazem carretas da mulher para levar mamógrafos nos bairros e isso devia ser ampliado mais ainda, além do acesso tradicional pelas Unidades Básicas de Saúde. A prefeitura, pelo que acompanho, também tem implantado locais para fazer biópsia de mama. Isso também é excelente, é um novo ponto para fazer diagnóstico. Mas ainda é preciso ampliar e descentralizar esses atendimentos. Manaus é uma cidade muito grande e isso poderia ajudar a ter mais diagnósticos e reduzir a questão do tempo de espera desses resultados. São medidas que seriam importantes.    

Em casos mais raros, o câncer de mama também pode atingir homens. Qual a orientação geral para esses pacientes? 

Nos homens é uma lesão muito rara, então, não se tem o benefício de você fazer o rastreamento como acontece com as mulheres, de fazer a partir dos 40 de forma anual. No entanto, se você ver a quantidade de tecido mamário que um homem tem e uma mulher tem, o do homem é muito menor. Por isso, se tocar, sentir, pautar a mama, é muito mais fácil no homem. Essa é a principal indicação. Qualquer diferença, qualquer nódulo, alteração, uma retração, é muito mais perceptível. Em alguns casos, você nem precisa de uma lesão inicial, porque sente no toque. A gente sabe que o câncer de mama nos homens tende a ser mais comum naqueles com mais idade, geralmente depois dos 50 anos.

Tanto para homens como mulheres, qual a maneira correta de fazer o toque? 

No caso das mulheres, o que a gente orienta é que o toque seja mais de conscientização, para ela conhecer a sua mama nesse sentido. Para além disso, lógico, sempre fazer os exames de rotina e o acompanhamento médico anual, porque aí o médico também deve examinar para ver como está a mama.

A mulher deve tocar todas as porções da mama, a região central, a região da axila, para sentir se tem alguma nodulação, alguma diferença que perceba entre as mamas. Ainda para as mulheres, como a gente tem a questão do ciclo menstrual, que interfere nas mamas, a gente sabe que antes da menstruação, a mama tende a ficar mais sensível, dolorosa, inchada. Então, esse não é o momento ideal para examinar. Às vezes é mais fácil tocar a mama depois que passou a menstruação, porque aí a mama está menos inchada, menos dolorida. É mais fácil, às vezes até no banho, que a mão começa a deslizar mais fácil. Naquelas mulheres que já não menstruam mais, que estão na menopausa ou, por algum motivo, não menstruam, aí pode fazer a qualquer momento.

Uma coisa importante de falar é que o toque é importante para você conhecer a mama, mas assim que se notar qualquer diferença, é preciso buscar atendimento médico. O autoexame é importante, mas não substitui a mamografia. A mamografia consegue detectar lesões que não são palpáveis, que são lesões, de fato, precoces.

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