EM MANACAPURU

Autista aguarda há dois anos cumprimento de decisão judicial

Andrew de Lima entrou na justiça para garantir a partilha dos bens deixados pelo pai, morto durante a pandemia de Covid-19

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26/07/2024 às 18:56.
Atualizado em 26/07/2024 às 18:57

Fachada do Fórum de Manacapuru (Foto: Tribunal de Justiça do Amazonas)

Andrew Damasceno de Lima, 36 anos, pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA), aguarda há quase dois anos pelo cumprimento de uma decisão da Comarca de Manacapuru (distante 84 quilômetros em linha reta de Manaus) no processo de partilha de bens motivado pela morte do próprio pai, Abizai Saboia de Lima, em janeiro de 2021, durante a pandemia de Covid-19.

Os bens, objeto da ação judicial, atualmente estão em posse da madrasta de Andrew,  Kelly de Souza Bastos. A mãe e tutora do jovem, a pedagoga Rejane Damasceno, afirma que a tramitação prioritária do caso a que o filho tem direito, por ser uma pessoa com deficiência, não está sendo respeitada. 

A pedagoga relatou que, logo após o falecimento do ex-companheiro, Kelly Bastos, a madastra de Andrew, entrou em contato e pediu a certidão de nascimento do rapaz autista para fazer o obituário e a divisão dos bens, o que não chegou a ser feito.

“Ela disse que ele (Abizai) pediu para dividir as coisas com todos os filhos e eu disse que ela ia fazer o documento e que eu queria a cópia da certidão de óbito. Terminou o ano e ela não mandou e só consegui quando fui em Manacapuru e paguei no cartório pela 2ª via”, disse a tutora de Andrew.

Rafael Almeida Cró Brito (Foto: Tribunal de Justiça do Amazonas)

O jovem teve que entrar com a ação de inventário no dia 1º de agosto de 2022 na 1ª Vara da Comarca de Manacapuru. No dia 8 daquele mês, o juiz Rafael Almeida Cró Brito determinou o bloqueio das contas e do bens de Abizai Lima.

O magistrado também apontou a má-fé da ex-companheira dele (Kelly Bastos) pelo fato de, passado mais de um ano após a morte do cônjuge, não ter promovido a abertura do inventário. E nomeou Andrew como inventariante e responsável, junto com sua mãe, da administração do bens pleiteados. 

No dia 13 de setembro de 2022, foi marcada uma audiência de conciliação. Contudo, Kelly Bastos não compareceu. Mais de um ano depois, no dia 9 de novembro de 2023, a reunião ocorreu. Foi manifestado o interesse de um acordo  entre as partes com prazo de cinco dias para apresentação das propostas e da lista de bens do falecido. A relação dos pertences nunca foi apresentada. Fato já levado ao conhecimento da justiça.

Para complicar ainda mais a situação, em janeiro de 2024, o juiz Marco Aurélio Palis determinou a redistribuição do processo para a 2ª Vara da Comarca de Manacapuru. Em maio, a titular da 2ª Vara, juíza Scarlet Viana, concluiu que a competência para julgar o caso é da 1ª Vara e remeteu o processo de volta.

Em 12 de junho último, a juíza Barbará Nogueira encaminhou a ação para o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) decidir qual dos dois órgãos em Manacapuru deve julgar o caso.

Marco Aurélio Palis (Foto: Tribunal de Justiça do Amazonas)

Criou sozinha

Rejane Damasceno disse que criou Andrew sozinha, pois viveu sete anos com o genitor do rapaz, mas pediu o divórcio em 1995 e veio morar em Manaus, onde o filho faz os acompanhamentos médicos. E  que não sabia o total de bens que Abizai Lima teria deixado.

“Depois que ele faleceu, ela desapareceu com a certidão de óbito, com os acessos aos bens, que até então não sabíamos quais eram e quem me informou o que ele tinha foi a segunda companheira que ele teve, que passou cinco anos com ele e tem dois filhos dele”, disse Damasceno.

A tutora disse que obteve ajuda da ex-cunhada  para garantir os direitos do filho, por ser uma pessoa com deficiência. “A minha ex-cunhada, tia do meu filho, me mostrou alguns dos imóveis, são muitos imóveis e ele tinha até um barco, que não sabemos o que ela fez, se alugou, se vendeu”, informou. 

A mãe de Andrew declarou que ela é a única fonte de renda da casa e criticou a Justiça de Manacapuru pela demora em garantir que a prioridade de atendimento de Andrew seja respeitada.

“Não temos conseguido esse benefício porque a comarca de Manacapuru é inoperante. Meu filho é um rapaz autista, ele não trabalha, ele depende totalmente de mim. É com meu salário que a gente vive, nós não temos casa própria e todo o provimento depende de mim, que sou pedagoga”, disse.

Entre os bens apontados pela família estão uma casa em uma das principais avenidas de Manacapuru, dois pontos comerciais alugados, 10 terrenos sem benfeitorias, 1 barco, 1 carro e uma moto, que estão em posse da última companheira de Abizai Lima. 

“Saiu um documento de que o inventariante é que tem que ter a posse dos imóveis para gerir esses bens. A gente já tentou fazer acordos, para que fosse feita a divisão, de vender os imóveis, fazer um acordo para não se prolongar, pois nós marcamos a primeira audiência e ela não compareceu. Na segunda ela compareceu e tentaram fazer um acordo, fizemos reunião com ela com os advogados dela, mas depois de lá o processo não anda”, criticou Rejane Damasceno.

Problemas de saúde 

A tutora de Andrew relatou que, aos 55 anos, tem duas doenças autoimunes e que sua maior preocupação é deixar o filho desamparado caso morra.

“Eu tenho 55 anos, duas doenças autoimunes e preciso disso, pois não sei até quando vou viver, eu preciso que ele tenha garantias, para quando eu não estiver aqui, tenha alguém por ele. Essa moça está fazendo tudo para emperrar o processo e não sabemos o que está parando o processo. O processo está parado, pois a comarca está sendo inoperante que não consegue fazer cumprir suas próprias decisões”.

Além de Andrew Damasceno e os dois filhos de sua madrasta, Abizai Lima deixou como herdeiros Caio Mateus Reis de Lima e Gustavo Mateus Reis de Lima, frutos de uma relação de 5 anos com uma de suas ex-companheiras. O processo de inventário movido por Andrew requereu a presença dos irmãos na partilha dos bens e pediu prioridade com base na lei da pessoa com deficiência. 

Scarlet Braga Barbosa Viana (Foto: Tribunal de Justiça do Amazonas)

Decisão não cumprida

Conforme o advogado da família Damasceno, Lukas Traiber, os direitos da pessoa com deficiência não estão sendo respeitados no andamento do processo. 

“Pois bem, após a publicação da decisão, começaram os momentos de angústia e aflição do senhor Andrew junto à Justiça do Estado do Amazonas, por meio da Comarca de Manacapuru, isso porque, apesar de possuir decisão favorável a sua pretensão, inclusive, sendo nomeado como inventariante do senhor Abizai, o senhor Andrew, até o presente momento, não possui acesso aos bens do senhor Abizai, mesmo sendo herdeiro legítimo”, informou Traiber.

O advogado afirmou que apesar das decisões, a madrasta de Andrew está usando os bens, que deveriam ser partilhados após o inventário. 

“Nesse período, enquanto a decisão acertadamente proferida não for cumprida, a senhora Kelly, madrasta de Andrew, vem dilapidando o patrimônio do senhor Abizai, onde em suas redes sociais aparece usufruindo dos bens móveis e imóveis”, disse o advogado.

Traiber ressaltou que o processo tramita com morosidade, o que fere a garantia de prioridade da pessoa com deficiência, além de não assegurar os direitos dos outros herdeiros.  

“Por inércia e descaso da Justiça para com o caso do senhor Andrew, este não consegue o atingimento da tutela jurisdicional proferida em seu favor, o que deve ser refutado pela sociedade, que recorre à Justiça para ter os seus direitos assegurados. Tal situação ultrapassa qualquer mero dissabor, ferindo a honra e imagem do Sr. Andrew, portador do transtorno de espectro autista”, disse.

Bens informados

Em resposta às determinações judiciais de 2022, o Cartório do 2º Ofício de Manacapuru informou em agosto do mesmo ano, a existência de três terrenos na estrada de Novo Airão e  um terreno na avenida Eduardo Ribeiro, em Manaus. 

A Capitania Fluvial da Amazônia informou, também em agosto de 2022, não haver registros de barcos no nome da pessoa física informada. Dos valores bloqueados em conta, aparece o total de R$ 1.245,93 e nos demais e há insuficiência de saldo ou não houve resposta. 

Posicionamento

A reportagem entrou em contato com o Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), que informou que os processos que tramitam na Vara de Família seguem em segredo de justiça, motivo pelo qual, pelos nomes informados, não conseguiram acessar os autos, mas que a demanda seria encaminhada à unidade judiciária de Manacapuru, para análise.

A CRÍTICA também tentou  contato com a juíza Scarlet Braga Barbosa Viana, por meio da sua rede social (Instagram), mas não obteve resposta.

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