Armamento

Após segurança dominar eleição, governo doará armas a prefeituras do AM

Presidente da associação de prefeitos diz que proibição pelo STF para governos venderem armas também influenciou projeto

Waldick Júnior
22/01/2025 às 08:18.
Atualizado em 22/01/2025 às 08:18

Guarda Municipal de Manaus é a única do estado que conta com armamento letal. Dos 378 agentes em campo, 47 possuem autorização para o equipamento (Foto: Clóvis Miranda/Semcom)

Após a segurança pública dominar os principais debates durante a eleição municipal de 2024, o governador Wilson Lima (União) e a Associação Amazonense de Municípios (AAM) anunciaram um projeto que prevê a doação de 5 mil armas, anteriormente utilizadas pela gestão estadual, para equipar os guardas municipais das cidades do interior do estado.

Na tarde desta terça-feira, o secretário de Segurança Pública do Amazonas, coronel Vinícius Almeida, e o presidente da entidade de prefeitos, Anderson Sousa, reuniram-se para discutir o tema. De acordo com comunicado oficial da entidade, o secretário afirmou que até sexta-feira (24) será apresentada à Associação a proposta de treinamento dos guardas municipais, conduzida pelo governo estadual, e que até o final do mês será entregue “o projeto de integração dos municípios”.

A AAM informou ainda que será firmado um acordo de cooperação entre a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM) e a entidade, visando garantir a execução eficiente do projeto. À reportagem, o presidente Anderson Sousa afirmou que o assunto vem sendo tratado por ele junto ao governador desde o ano passado.

“Em todos os municípios que tivemos a oportunidade de ver as pesquisas eleitorais, e Manaus é um exemplo, o principal problema apontado pela população era a falta de segurança. Então, baseado nisso é que começamos as tratativas com o governo e batemos o martelo. O governador disse ‘então vamos armar a guarda”, afirmou Sousa. 

De acordo com dados da SSP-AM, houve redução de 16% no número de homicídios em 2024. Além disso, caiu em 11% o número de roubos a transeuntes e em 46% os assaltos a coletivos. Ainda assim, a segurança pública permanece como a principal preocupação dos amazonenses. 

Exemplo disso é a pesquisa da consultoria Quaest, divulgada em 3 de outubro, três dias antes do primeiro turno da eleição municipal de 2024, que revelou que sete em cada dez eleitores consideravam a criminalidade o maior problema enfrentado em Manaus naquele momento. 

Conforme Anderson Sousa, outro motivo para a doação de armas pelo governador Wilson Lima foi a proibição, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de venda de armas utilizadas anteriormente pela gestão estadual.

“O estado tem um estoque de mais de 7 mil armas e munições. O governador ia, em um projeto de lei, vender para os militares e civis, mas o Supremo rejeitou e com isso ele resolveu fazer essa parceria com a Associação”, explicou.

Em 2023, o STF invalidou por unanimidade uma lei estadual do Alagoas que permitia às polícias Civil e Militar, ao Corpo de Bombeiros e a outros órgãos estaduais da segurança a venda de armas de fogo diretamente a seus integrantes ativos e inativos. 

Em entrevista à Bandnews Difusora, o governador afirmou que a expectativa é disponibilizar o equipamento até o fim do ano. “Nossa ideia é que até o fim do ano as questões estejam encaminhadas ou que os municípios tenham implantado, porque vai depender também da quantidade de concursados da guarda civil de cada município”. 
Cenário

Um levantamento realizado pela Associação Amazonense de Municípios com 47 prefeituras do estado revelou que 76,6% delas possuem guarda municipal. Entre essas, o número mais frequente de agentes era de 30. As principais dificuldades apontadas para manter a guarda municipal foram a insuficiência de efetivo (30,6%), o armamento (25%), os salários (19,4%) e outros fatores não especificados (25%).

A pesquisa também revelou que os municípios do interior com os maiores efetivos de guardas municipais são: Parintins, com 200 agentes; Coari, com 136; Presidente Figueiredo, com 116; e Rio Preto da Eva, com 105. Embora Manaus não tenha sido incluída no levantamento, a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg) informou à reportagem que a capital conta atualmente com 378 agentes.

Outro dado que chama atenção é o de estrutura para investimento e fiscalização dos agentes municipais de segurança. Dentre os 36 municípios ouvidos, a maioria respondeu que não possui Estatuto, Corregedoria e/ou Fundo Municipal de Segurança (44,4%). Outros 36,1% disseram ter Estatuto. Um percentual menor, não informado pela pesquisa, respondeu ter corregedoria e/ou Fundo Municipal.

 Guarda armada

 Embora seja um assunto considerado recente, há legislações e entendimentos do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem o papel das prefeituras no sistema de segurança pública. A Lei 13.022/2014, por exemplo, atribui às guardas municipais a proteção de bens públicos e apoio à segurança, mas proíbe investigações, prisões e repressão direta. Outra Lei importante é a de n.º 13.675/2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), do qual as prefeituras também fazem parte.

O Estatuto do Desarmamento, de 2004, prevê a possibilidade de uso de armas pelos guardas municipais, embora esse tema gere divergências, inclusive entre especialistas. Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo ressalta que a legislação prevê uma série de critérios para o uso de armas pelos agentes.

“A autorização está condicionada à formação funcional dos integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, ou seja, precisam de uma formação específica, e é preciso haver mecanismos de fiscalização e controle internos. Ou seja, é preciso ter corregedoria e mecanismos de fiscalização de uso da arma”, afirma.
“É importante dizer isso porque temos visto um grande crescimento das guardas municipais armadas no país, mas não vemos, na mesma proporção, a estruturação dessas guardas para o correto uso de armas”, complementa.

O presidente da AAM, Anderson Sousa, afirmou que a doação de armas às prefeituras estará condicionada à criação de corregedorias e ouvidorias; à realização de concurso público específico para guardas municipais; à assinatura de convênios com a Polícia Federal para fiscalização dos requisitos; e à apresentação de um plano de trabalho relacionado à disciplina de armamento e tiro no curso de formação dos agentes.

 Riscos

 Em boa parte dos municípios do Amazonas, a presença das polícias Civil e Militar é pequena. Parte do problema pode ser explicado pelas dificuldades de logística e acesso a serviços que ‘afastam’ servidores públicos concursados destas áreas.

Carolina Ricardo diz que é preciso ter atenção ao risco de, nestas localidades, as guardas municipais atuarem de maneira inadequada às suas competências. “Por exemplo, que possam ser usadas politicamente por um prefeito ou que acabem se envolvendo em grandes operações, quando, na verdade, precisam ter um papel comunitário, de lidar com os pequenos conflitos, com a proteção da cidade, do patrimônio local, fazer mediação de conflito para deixar os casos mais complexos para as outras polícias”, diz.

 Em Manaus

 Enquanto o debate sobre o armamento das guardas se estende ao interior, em Manaus, os agentes já utilizam tanto equipamentos letais quanto não letais. Atualmente, dos 378 guardas civis, 47 estão armados. 

Em relação à ampliação do efetivo, a Secretaria Municipal de Segurança (Semseg) informou para A CRÍTICA que, no próximo dia 30 de janeiro, serão nomeados 226 novos guardas municipais para reforçar a corporação. Todos os novos agentes serão equipados com armas letais e não letais, "de acordo com as demandas operacionais e a legislação vigente", segundo a gestão municipal.

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