ACORDO SUSPENSO

Após pedido do MPF, Ufam suspende cooperação com mineradora

Ministério Público apontou série de irregularidades no empreendimento em reunião com reitoria. Empresa nega irregularidades

Lucas dos Santos
online@acritica.com
26/09/2024 às 16:19.
Atualizado em 26/09/2024 às 16:25

(Fotos: Divulgação)

A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) suspendeu o protocolo de intenções firmado com a empresa Potássio do Brasil para o projeto de exploração mineral em Autazes, a 111 quilômetros de Manaus. A parceria deve ficar travada “enquanto durarem os questionamentos judiciais sobre o empreendimento”, segundo a instituição de ensino. 

A assinatura do protocolo de intenções foi anunciada em 2023, quando a atividade de mineração já era questionada judicialmente pelo Ministério Público Federal por atropelar processos de licenciamento e afetar indígenas do povo Mura, que vivem na região. A empresa nega qualquer irregularidade. 

O protocolo de intenções com a mineradora previa realizar ações voltadas a "minimizar os impactos socioambientais na região", segundo anúncio da época. Havia expectativa de que também fossem realizadas ações conjuntas de ensino, pesquisa e extensão ligadas ao projeto da Potássio.

Projeto Potássio Autazes, divulgado pela mineradora (Imagem: Potássio do Brasil)

A mudança de posicionamento da Ufam ocorreu após o procurador do MPF, André Bessa, se reunir com o reitor Sylvio Puga e a vice-reitora Therezinha Fraxe para pontuar o que considera irregularidades no termo de cooperação assinado em 2023. O Ministério Público já havia recomendado a suspensão da parceria com a empresa.

Após a reunião e a entrega da petição do MPF, os representantes da Ufam afirmaram ao procurador que iriam cancelar a colaboração com a Potássio do Brasil enquanto houver discussões jurídicas sobre os impactos do projeto no território Mura em Autazes. 

Em nota enviada à reportagem, a Administração Superior da Ufam confirmou o cancelamento dos atos de colaboração. A CRÍTICA também procurou o reitor Sylvio Puga, que preferiu não detalhar a decisão. 

Apontamentos

O documento assinado pelos procuradores Fernando Merloto Soave, Igor Jordão Alves e Sofia Freitas Silva indicou que as atividades da Potássio do Brasil na região estão sendo contestadas pelo MPF por várias razões. 

A primeira é que a empresa pretende explorar um território ocupado pelo povo Mura há pelo menos 200 anos, segundo apuração do MP, e que já possui portaria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para que seja iniciado o processo de avaliação para demarcação da terra Soares/Urucurituba, em Autazes, onde vivem indígenas. 

“Além de se sobrepor à terra indígena em processo de demarcação, a base de exploração minerária fica a menos de 3 km da terra indígena Jauary, e a cerca de 6 km da terra indígena Paracuhuba. O fato de o empreendimento pretendido ter impactos socioambientais em territórios indígenas impõe, nos termos da legislação, que o órgão licenciador seja federal (Ibama). No entanto, a empresa apresentou pedidos de licenciamento perante o órgão ambiental do estado do Amazonas, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam)”, afirmam.

O Ministério Público argumenta ainda que a Potássio do Brasil descumpriu o protocolo de consulta aprovado em 2019 pelos indígenas Mura, apontando a existência de fraudes, cooptação de lideranças, ameaças a defensores de direitos humanos, líderes indígenas e agentes da sociedade civil. 

A Potássio considera que o projeto de exploração foi aprovado pelos indígenas após ter recebido uma ata de assembleia, em setembro de 2023 onde parte dos indígenas se manifestou favorável ao projeto. O presidente da mineradora, Adriano Espeschit esteve no encontro dos indígenas e fez uma série de promessas de infraestrutura para a região. 

Área da Potássio do Brasil (Foto: Reprodução)

Repercussão negativa

O recuo da Ufam também ocorre uma semana após o arquivamento de um processo administrativo (PAD) contra a professora da Faculdade de Direito, Caroline Nogueira. A docente foi alvo de denúncia anônima, acatada pela corregedoria, que a acusava de prestar assessoria jurídica à Organização de Lideranças Mura do Careiro da Várzea e à Comunidade Indígena do Lago do Soares. 

A Ufam foi alvo de críticas de entidades locais e nacionais pela abertura do PAD. Em resposta para A CRÍTICA, a instituição ressaltou que o processo foi desencadeado por “uma denúncia anônima na ouvidoria e não da gestão da Administração Superior”.

Defesa

Em 2023, durante entrevista ao podcast Sim & Não, de A CRÍTICA, o reitor Sylvio Puga defendeu a exploração de potássio. Ele disse que a Ufam foi procurada em 2017 para tratar do tema e que a instituição realizou estudos de avaliação sobre o empreendimento. Questionado sobre se havia um 'contrassenso' em assinar o acordo ao mesmo tempo em que a Ufam atua com indígenas, Puga respondeu que não.

Sylvio Puga concedeu entrevista para o podcast Sim & Não na qual defendia a exploração (Foto: Reprodução / You Tube)

"Vou dizer o porquê não há contrassenso. Nos nossos estudos, nós defendemos os próprios indígenas. Eu já recebi, na minha sala, inúmeros indígenas a favor do empreendimento. Já recebi dizendo 'reitor, somos a favor e queremos a Ufam', então essa narrativa de dizer que eles são contra eu até escuto, mas digo: 'e aqueles que estiveram lá comigo são o quê?' indígenas", disse à época.

Lula impôs condições

Durante sua última viagem ao Amazonas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que só apoiaria o projeto de mineração do potássio em Autazes se fosse comprovado que o empreendimento não geraria impacto ambiental.

“Eu não conheço especificamente a reserva de potássio no Amazonas, mas eu posso garantir que se tiver e for fácil de explorar, sem causar impacto à sociedade, vai ser explorada. Se a exploração demandar impacto na Amazônia, aí vai ser mais difícil, porque nós temos que discutir, analisar e ver se não tem a possibilidade de pegar potássio em outras regiões sem criar impacto negativo na Amazônia”, disse em entrevista à TV Norte.

Em abril deste ano, o governador Wilson Lima (União), apoiador do projeto, entregou o primeiro licenciamento ambiental autorizado pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) à Potássio do Brasil. Com validade de três anos, a licença ambiental de instalação autoriza a construção da parte administrativa e funcional do complexo, incluindo as minas subterrâneas que terão 800 metros de profundidade para a extração do potássio.

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