Multinacional instalada na Zona Franca de Manaus surge com uma alternativa para quem tira das pequenas embarcações o seu sustento diário e enfrentam dificuldades com o preço do combustível
Diretor de Planta, Márcio Sousa explicou potencial do produto (Nilton Ricardo)
Há 12 anos, o barqueiro Francisco Fonseca, 71, trabalha com frete em alguns portos da capital do Amazonas. Dono de uma voadeira de pequeno porte, ele atende apenas clientes fidelizados, por uma questão de segurança. A rota das viagens varia de acordo com o objetivo do contratante, mas há casos em que chegam a ser intermunicipais. Um exemplo é o destino Manacapuru, cujo trajeto (apenas a ida) leva 2 horas. Com mais de uma década na profissão, ele viu o preço dos principais “materiais” de trabalho aumentar.
Comprar um motor de popa se tornou uma tarefa mais difícil ao longo dos últimos seis anos. A inflação e a alta no preço dos insumos são algumas das causas para o encarecimento, o que criou uma barreira para muitos ribeirinhos que moram em comunidades nas zonas rurais e precisam ir até a sede dos municípios para fazer as compras do mês, por exemplo. O alto custo da gasolina, o principal combustível, também é desencorajador. Contudo, uma multinacional instalada na Zona Franca de Manaus tem um projeto para propor uma alternativa a esse público.
Tudo nasceu no ano passado, em meados de maio, quando o dono do Grupo Hexing, Liangzhang Zhou, visitou Manaus e passeou pelo Rio Negro. Ele se deparou com um ribeirinho que ficou “ilhado” por falta de combustível e pediu que os engenheiros da empresa chinesa desenvolvessem um motor de popa elétrico. Assim foi criado o ainda não batizado comercialmente “motor de propulsão elétrica”. Todo o projeto é baseado em uma fonte de energia renovável e é visto como uma grande alternativa aos modelos tradicionais.
A equipe de A Crítica teve acesso, com exclusividade, ao protótipo que fica na fábrica da Livoltek (pertencente ao Grupo Hexing) no Polo Industrial de Manaus (PIM).
O diretor da planta da unidade, Márcio Sousa, explicou todo o potencial de um produto que ele classifica como pioneiro em todo o mundo. O motor funciona com uma bateria especialmente desenvolvida para maquinários desse tipo. Ela pode ser recarregada através de carregadores ou reabastecida com uma placa solar compacta. Além disso, o usuário poderá acompanhar o status por meio de um aplicativo criado pela empresa.
“Dentro deste app você vai controlar tudo, dá até para programar; saber quanto tem de carga em relação ao percurso. Vai para Novo Airão? Se levar duas horas, por exemplo, vai mostrar a autonomia”, explicou.
O motor tem, inicialmente, uma autonomia total de 4 horas de uso ininterrupto. O planejamento inclui a criação de “pontões” de reabastecimento nos rios do Amazonas, que devem funcionar como os postos flutuantes de combustíveis, mas com a fonte renovável no lugar da de origem fóssil. A eficiência e eficácia do motor já foram testadas. No continente africano, ele é usado por comunidades de baixa renda, embora no mar, e não em rios.
Todo o escopo foi elaborado para atender a utilidade em locais com boa profundidade de água. No entanto, as duas últimas vazantes do Amazonas foram incorporadas dentro de novas soluções. A proposta é adaptar cada vez mais o motor para que ele possa ser utilizado em locais de baixo calado, comuns no período de seca no estado. Para isso, uma parceria já foi firmada com o dono de uma marina em Manaus. O “seu Arthur” sugeriu a redução e alteração do eixo que sustenta a hélice submersa, permitindo que ela tenha o menor contato possível com o fundo dos cursos de água. As mudanças já foram enviadas para a central de projetos na China.
Outra parceria, ainda em construção, é com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Sousa explicou que a ideia é fomentar os engenheiros locais e oferecer oportunidades para que possam ajudar a melhorar o motor e até mesmo criar outras inovações igualmente úteis para diminuir as dificuldades da comunidade local. Conversas com a instituição de ensino já foram iniciadas para entender como o trabalho em conjunto pode ocorrer, e o que a empresa pode oferecer em troca, como espaço no mercado de trabalho. Isso evitaria, segundo Sousa, que acadêmicos e futuros profissionais deixem o estado para trabalhar em outros locais.
Neste ano, a Livoltek teve seus projetos aprovados pela Suframa para se instalar em Manaus, no Polo Industrial. Inicialmente, a fabricação será de inversores fotovoltaicos, baterias de lítio e carregadores. As atividades para esses produtos já começaram. Por outro lado, o motor elétrico ainda precisa ser aprovado pelo mesmo conselho antes que as linhas de produção possam iniciar a fabricação em solo brasileiro.
Por enquanto, Sousa informou que não há data para isso ocorrer, mas a expectativa é pela maior brevidade possível. Enquanto isso, a novidade é aprimorada com a ajuda de diversas mentes unidas, apesar da distância entre os continentes envolvidos no projeto.