Correção na Lei

ALE cria lei homofóbica e, sob pressão, a corrige

Em agosto, a Casa aprovou PL que proibia mídias com crianças vinculadas à ‘homossexualidade’; em dezembro mudou o texto

Emile de Souza
27/12/2024 às 08:49.
Atualizado em 27/12/2024 às 08:49

(Foto: Divulgação ALE-AM)

Após repercussão negativa, a Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM) aprovou alteração na lei que proíbe a reprodução de mídias digitais, culturais e artísticas de crianças vinculadas à homossexualidade. A proposta considerada homofóbica é de autoria do deputado estadual Carlinhos Bessa, que também propôs a mudança no texto. 

O Projeto de Lei (PL)  foi apresentado pela primeira vez no dia 7 de fevereiro de 2023. A matéria foi subscrita pelo deputado Comandante Dan (Podemos) no dia 13 de agosto deste ano, no mesmo dia em que foi aprovada por unanimidade pelos deputados presentes. Somente os deputados Adjuto Afonso (União), Daniel Almeida (Avante) e Joana Darc (União) não participaram da votação.
 
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a deputada Alessandra Campêlo (Pode) recusou a relatoria do PL, que acabou sendo relatado pelo deputado Wilker Barreto (Mobiliza), que deu parecer favorável. A deputada foi procurada pela equipe de reportagem para verificar os motivos do declínio da relatoria. A parlamentar afirmou que recusou por estar relatando outros projetos. 

Na justificativa da proposta,  Carlinhos Bessa afirmou que: “as crianças não podem ser envolvidas em temas polêmicos”. No sistema da ALE-AM, esse PL foi classificado como não polêmico. Ele  foi aprovado em plenário no dia 13 de agosto e enviado para sanção do governador Wilson Lima (União) no dia 14 de agosto, o que não ocorreu. 

Coube então ao presidente da Casa, Roberto Cidade (União), promulgar a lei, conforme estabelecido na Constituição do Estado do Amazonas. Ela foi publicada no  Diário Eletrônico da ALE-AM  no dia 17 de  outubro sob número  7.127/2024. 
 
Com a repercussão negativa nas redes sociais, o autor da lei apresentou, no dia 2 de dezembro, outro projeto alterando o texto original. Retirou o termo “homossexuais” por “conteúdo sexual”. A nova redação diz que: “fica expressamente proibida a reprodução de mídias digitais, televisivas e apresentações culturais e artísticas de conteúdo sexual vinculado às crianças em todo o Estado do Amazonas”. 

O plenário aprovou a alteração por unanimidade na última sessão ordinária do ano, realizada no dia 13 de dezembro. Após a aprovação, o PL seguiu para sanção governamental. A deputada Mayara Pinheiro (Republicanos) foi a única ausente na votação, e o deputado Roberto Cidade, que presidia a sessão, não votou.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-AM, Caupolican Padilha,  a primeira versão da lei é  “criminosa e homofóbica”. “É inconstitucional e viola os direitos humanos. É uma lei criminosa, homofóbica”, afirmou.

 Texto é inconstitucional, diz ativista

 O professor e pesquisador de análise do discurso, Gabriel Mota, utilizou as redes sociais para repudiar a lei. Segundo ele, mesmo com a alteração, a iniciativa da lei é homofóbica, pois existem leis específicas sobre crimes sexuais contra crianças, sejam eles praticados por pessoas heterossexuais ou homoafetivas.

“Primeiro que já existem leis que protegem as crianças, pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Servem para proteger de qualquer tipo de violação do direito da criança. Se essa violação de conteúdo sexual acontecer, por que então as relações heterossexuais não estão incluídas nisso? É inconstitucional. Esses crimes devem ser punidos segundo o ECA, sejam pessoas homossexuais ou não”, criticou o pesquisador.

Mota ressaltou que a lei inicial impediria que famílias homoafetivas fossem representadas em propagandas de TV e até em apresentações culturais e artísticas das escolas e teatros, o que para ele é um “retrocesso”.

“Só este ano, três casais de amigos já adotaram crianças. E o que essa lei está dizendo pra gente? Que essa criança não vai poder ver a família dela, por exemplo, expressa em um comercial de Natal. Essa criança não vai poder ver a família dela expressa em uma propaganda mostrando o valor da diversidade das famílias. Essa criança também vai estar excluída daquelas propagandas que acontecem dentro do setor de educação, por exemplo, em que a gente tem o Dia dos Pais, o Dia das Mães e o Dia da Família”, afirmou o professor.

Quanto à criminalização, Gabriel Mota enfatizou que os deputados sabem que conteúdos sexuais contra crianças são tipificados na lei, mas criam leis para ferir os direitos da comunidade LGBTQIAPN+.

“É uma lei que está voltando para o ponto de criminalização. Eu quero que eles façam uma lei apontando uma única propaganda que as crianças tenham participado de alguma relação sexual homossexual, transexual ou bissexual, entendeu? Não existe”, destacou.

Gabriel Mota afirmou que esses ataques são uma forma de se aproximar de grupos religiosos como estratégia política. “A gente sabe que isso atende a uma frente neopentecostal, tem um grupo de evangélicos. A gente sabe que os evangélicos são um grupo hoje que elege e elege muitos políticos no estado. Essas pessoas fazem essas leis para dialogar com esse programa que é sistemático, exclusivo, que não só exclui pessoas LGBTs, mas que diz que racismo não existe”, criticou.

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