Artes visuais

Do Alvorada 3 para o mundo: Manauara Clandestina é destaque na Bienal de Veneza

Artista visual amazonense chega à Itália com dois curtas-metragens autorais; exposição segue até novembro

Gabriel Machado
bemviver@acritica.com.br
24/04/2024 às 12:40.
Atualizado em 24/04/2024 às 12:40

Styling: Fëdra; Beleza: Victoria Tavares; e Fashion designers: Normando, Teodora Oshima. (Divulgação/José Pelegrini)

"Esse nome não era meu. A rua que me deu". Foi desta forma que a artista visual Manauara Clandestina definiu o chamado que resultou no seu "nascimento". Anos depois, a travesti do Alvorada 3 celebra um feito que a coloca como um dos mais promissores e instigantes nomes das artes visuais do Brasil: até o próximo mês de novembro, ela terá dois de seus trabalhos autorais expostos em uma das maiores mostras internacionais do mundo, a Bienal de Veneza, na Itália.


"Essa conquista ainda mexe muito comigo. Normalmente, quando eu via reportagens sobre travestis e sobre essa população, da qual faço parte, eram sempre matérias policiais e que marginalizavam os nossos corpos, ou, ainda, que contavam nossas histórias por nós. (...) Até chegar aqui, eu não tinha noção do que era estar numa Bienal de Veneza e, agora, consigo perceber e visualizar o meu trabalho nesse lugar, consigo pertencer a esse lugar", afirma a artista ao BEM VIVER.


O convite para integrar o line-up de expositores do evento partiu de ninguém menos que Adriano Pedrosa, diretor-artístico do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e curador da Bienal. "Ao lado dele [do Adriano], está a Amanda Carneiro, que é curadora também e já conhecia o meu trabalho. Ela foi o ponto de comunicação e interlocução", completa.


Para a Bienal de Veneza, Manauara levou dois curtas-metragens que possuem, como foco em comum, a migração - em consonância com o tema deste ano do evento, "Estrangeiros por Toda a Parte".


"O primeiro deles é o 'Building', um curta em homenagem à vida de trabalho do meu pai. Eu o fiz em Londres, na minha primeira residência de arte fora do Brasil, na Delfina Foundation. Fui a primeira da minha família a cruzar o oceano e a conquistar isso, e eu só consegui esse feito por conta da dedicação do meu 'velho'. Então, esse filme tem essa marca", explica.


"Poder estar contando a minha história e deixar a [história] do meu pai na história da arte, para mim, é uma coisa muito digna e merecedora. Sem dúvidas, é arrebatador", acrescenta a artista, referindo-se ao pai, o pastor Carlos Farias.


Enquanto isso, "Migranta", o segundo curta da artista na Bienal, consiste em um mix entre documentário e fashion film que traz a investigação de Manauara sobre a imigração, utilizando a vestimenta de trabalhadores da área civil responsáveis por construir as grandes cidades. "Também faço um contraponto em relação à existência e a vida de trabalho da travesti".

"Migranta" foi produzido em Barcelona, na Piramidon, Centro de Arte Contemporâneo.


Origem

Da mudança de Manaus para a grande São Paulo até a exposição em Veneza, foi um longo caminho percorrido por Manauara. A começar pelo nascimento do forte e intrigante nome da artista.


"Na minha transição, já não me apresentava mais com o meu nome morto e o pessoal. Já em São Paulo, referia-se a mim como 'A bicha de Manaus', 'a manauara'. Na época, eu me dividia entre minhas performances na noite e os trabalhos em restaurantes, como garçonete. Certa vez, em um desses restaurantes, um colega botou 'Clandestino', do Manu Chao, para tocar e mexeu muito comigo. Lembro que lagrimei enquanto atendia uma mesa e que gastei todos os meus dados de Internet escutando a música no YouTube", revela Manauara.


No dia seguinte, voltando ao trabalho, a artista se deparou com outro momento emblemático. "Estava no trem quando um grupo de instrumentistas entrou cantando músicas latinas, e a primeira que eles performaram foi 'Clandestino'. Para mim, foi como um chamado. Ali, nasceu a Manauara Clandestina", finaliza.


Amazonas

Além de Manauara, o Amazonas conta, também, com a participação de Duhigó na Bienal de Veneza, artista indígena vencedora do prêmio nacional Mestras e Mestres das Artes 2023, da Funarte; e do indígena Denilson Baniwa como um dos curadores do Pavilhão Brasileiro, na mostra "Ka'a Pûera: somos pássaros ambulantes".

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