Geislane Silva foi apenas conhecer a 'terra do pão de de queijo', mas se encantou pelo tempero mineiro e hoje trabalha no restaurante 'Dona Lucinha', um dos mais tradicionais da região
Mesmo sem conhecer nada da culinária mineira, Geislane aprendeu rápido e hoje, até ensina (Isabella Pina)
“Eu sou como se fosse uma estrangeira, né? Uma pessoa que é de uma cultura totalmente diferente”. É assim que se apresenta Geislane Mendonça Silva, uma manauara 'perdida' nos fundos de uma das cozinhas mais agitadas e famosas de Minas Gerais. A mais de 3 mil km de distância de casa, ela deixou para trás a farinha do uarini para se apegar ao angu e hoje é uma das cozinheiras queridinhas do tradicional restaurante típico mineiro “Dona Lucinha”.
Na cruzada das margens do Rio Negro para o calor da cozinha mineira, ela trouxe na mala mais do que roupas. Trouxe também o tempero e talento amazônico na alma e a curiosidade de quem não queria só experimentar algo novo, mas desvendar os segredos que fazem da culinária mineira assunto para o País inteiro.
Aos 27 anos, a manauara, que já era boa conhecida das panelas e assadeiras, um dia decidiu se aventurar pelo País. Deixou para trás a família e testou a sorte quando bateu à porta do tradicional casarão em busca de novas receitas. Ela ri ao contar que, quando a língua é comida e simpatia, os amazonenses e mineiros falam a mesma. Nessa, de só ir visitar, nunca mais voltou para casa. Quase que como num ‘jaraqui’ reverso, Lane foi fisgada por um bom pirão e hoje só tem a vontade de levar quem já conhece para visitar Minas.
Geislane mora em Belo Horizonte há um ano e quatro meses. Hoje, casada e apaixonada pela cidade e pela culinária, ela fala com entusiasmo sobre como é a experiência. “Angu! Gente, o que é um angu? Uma coisa que a gente não tem lá. Aqui, cada prato tem uma história, uma técnica. Eu quis aprender tudo, desde como fazer o tempero até entender o que cada prato significa para eles”.
diferenças
O ‘choque culinário’ que Geislane descreve é o que muitos amazonenses sentem ao se aventurarem por outras regiões do Brasil. Com uma das culinárias mais autênticas e ricas do País, o amazonense tem um paladar que exige sabores intensos e bem marcados. Talvez por isso, explorar as mesas mineiras seja tão fascinante: é como um prosa entre dois parentes que moram longe. Têm muito a ver, mas de iguais não têm nada. Bons parceiros na hora de reunir gente por conta de um prato.
Quem a recebeu lá foi a chef Marcia Nunes. Ao saber que nossa equipe de A CRÍTICA, de Manaus, estava no restaurante, fez questão de contar a história e também sobre como aprendeu com a manauara. “Ela chegou aqui e eu dizia: “não tenho como te colocar na nossa equipe. Você não conhece nossa comida, nosso tempero. Ela pegou tudo tão rápido, a técnica. Ela acabou ensinando também, com toda essa vontade dela”, conta.
O A CRÍTICA conheceu a manauara ao longo de uma viagem ao estado à convite da Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais. Ela é uma das muitas que professam por aí o poder da culinária como força motora - das pequenas coisas. Como uma viagem, à aventura de se mudar para o outro lado do País. Fala muito sobre amor.
No interior mineiro, na região de Lima Duarte, que integra a badalada rota do Queijo Minas Artesanal, cada parada numa fazenda o discurso de amor por trás dos fornos à lenha ganha coro ao que, à essa altura da viagem por Minas você já vai ter entendido: é na barriga cheia que se entende o prazer de viajar. Um desses destinos é o charmoso e rural restaurante Casinhas.
À beira de uma cachoeira, a família mantém viva a tradição de encher o balcão de comida e história: “A minha mãe é quem produz a maioria das coisas. Ela faz o doce de leite e quem vem almoçar leva sempre um pedacinho dessa tradição para casa”. Para a filha do casal que fundou o lugar, em Minas Gerais, cozinha é mais do que trabalho; é uma forma de criar memórias.