Série 'Minha Medalha'

Aurélio Miguel, o primeiro campeão Olímpico do Brasil no judô

A Crítica conversou com o judoca brasileiro que conquistou o ouro em Seul 1988 e que voltou ao pódio Olímpico em Atlanta 1996

Denir Simplício
16/07/2016 às 22:57.
Atualizado em 12/03/2022 às 13:22

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Desde Munique 1972, quando Chiaki Ishii levou o bronze, o judô brasileiro é sinônimo de medalha nas Olimpíadas. O esporte criado pelos japoneses só fica atrás do vôlei como o que mais conquistou pódios para o Brasil. Já são 19 medalhas conquistadas pelos judocas brasileiros, o que coloca o País na elite da modalidade. No entanto, o judô só veio se popularizar no país do futebol com a conquista de um paulista que só começou a praticar o esporte dos tatames por causa de uma broncopneumonia. 

Aurélio Fernández Miguel nasceu no dia 10 de março de 1964 e ainda bebê teve de conviver com complicações no pulmão. Para superar as lesões no aparelho respiratório, os médicos indicaram a prática esportiva e aos quatro anos Aurélio Miguel já dava seus primeiros ippons nos tatames.

Aos 18, já fazia parte da seleção brasileira que disputou o Campeonato Universitário, na Finlândia, em 1982, quando ficou com a prata. No ano seguinte em trajetória meteórica, foi campeão mundial Júnior e se tornou favorito a compor o time Olímpico do Brasil nos Jogos de Los Angeles 1984. No entanto, uma divergência com o então presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Joaquim Mamede, levou ao corte do “garoto prodígio” do judô brasileiro.

Em 1987 se recuperou de uma cirurgia no ombro a tempo de conquistar o bronze no Mundial de Judô, na Alemanha, no entanto, o melhor estava guardado para o ano seguinte. Em Seul 1988, Aurélio Miguel foi derrubando todos os adversários na categoria meio-pesado até conquistar o ouro para o Brasil, a primeira do judô brasileiro na Olimpíada. 

No caminho até o lugar mais alto do pódio Olímpico, Aurélio venceu gigantes como o britânico Dennis Stewart, o islandês Bjarni Fridriksson, o italiano Juri Fazi e o checo Jiri Sosna. Na luta pelo ouro, superou o alemão Marc Meiling por yuko. A conquista dourada de Aurélio Miguel fez com que os brasileiros se apaixonassem pelos tatames. 

Em 1987, o campeão Olímpico liderou judocas da elite ao rompimento junto à CBJ. Os mesmos que o procuraram momentos antes da finalíssima de Seul para lhe parabenizar e afirmar que a prata já estava de bom tamanho. A briga com os dirigentes do judô brasileiro durou até às vésperas dos Jogos de Barcelona 1992. Fora de forma e se recuperando de nova lesão no ombro, não subiu ao pódio. Porém, retornou triunfante em 1996 para a Olimpíada de Atlanta, onde teve a honra de ser o porta-bandeira da delegação do Brasil e voltou a conquistar uma medalha, desta vez a de bronze.

Antes de encerrar a carreira, Aurélio Miguel ainda conquistou o vice-campeonato no Mundial de Judô de Paris, em 1997. Após deixar os tatames, ingressou na carreira política e está em seu terceiro mandato como vereador na Câmara Municipal de São Paulo.

Em mais um capítulo da série “Minha Medalha”, A Crítica teve a honra de entrevistar o primeiro campeão Olímpico brasileiro. Além de fazer uma análise da equipe brasileira de judô que representará o País na Rio 2016,  Aurélio Miguel relembrou o início da carreira nos tatames, as divergências com a CBJ, as lembranças do pódio e ainda deu seu parecer sobre o significado de ser um medalhista Olímpico.

Em 1983 você acabara de conquistar o Mundial Júnior e já era considerado um expoente no judô brasileiro e nome certo nos Jogos de Los Angeles. Você acha que se não fosse a divergência com o presidente da CBJ, Joaquim Mamede, o ouro teria vindo já nos Estados Unidos, em 1984?

Eu tenho convicção que sim. Ao menos eu estava bem preparado. Queria muito ter ido.

Você sempre foi um atleta que teve de superar os adversários e até a desconfiança dos próprios dirigentes brasileiros – foi assim em 1983, quando um dirigente disse que a prata já era um bom resultado, e em 1988 a mesma coisa com presidente do Comitê Olímpico. Esse tipo de atitude te deu mais força para chegar ao ouro ou te abalou de alguma forma?

Na verdade, esse tipo de atitude me causava indignação. Pode até ter contribuído para me dar mais gana, mas muito mais me deixava revoltado.    Nunca entrei numa luta que não fosse para vencer.  

Qual a maior lembrança negativa e positiva daquele 30 de setembro de 1988?

Sinceramente é difícil traduzir em palavras o tumulto dos pensamentos num momento desses. Escutar o hino do País sendo tocado e ver a bandeira nacional ser erguida acima das outras é indescritível. Nada foi negativo nesse momento mágico. Nem mesmo ter perdido um tempão para colher material para o antidoping.

Quando você subiu no lugar mais alto do pódio em Seul, qual a primeira lembrança que te veio a mente e por que?

Difícil racionalizar isso. Mas certamente eu não tinha noção do que viria depois. A repercussão e as consequências da conquista. Pensei muito em minha mãe, que havia falecido recentemente. E talvez nas dificuldades que enfrentei para chegar até aquele momento.    

O que você acha que faltou em Barcelona 1992 para alcançar mais um pódio Olímpico?

Fomos a Barcelona depois de um período de três anos de rompimento com a Confederação Brasileira de Judô. Somente no início de 92 começamos a preparação para os Jogos. Além disso, me lesionei no ombro durante minha participação na Olimpíada. Mas pudemos comemorar a conquista de Rogério Sampaio o que foi muito bom para todos nós. 

Nos Jogos de Atlanta 1996 você estava com 32 anos, mais experiente e perto do fim da carreira Olímpica. Qual o valor daquele bronze? Acha que fechou com “chave de ouro” seu ciclo na Olimpíada?

Podia ser ouro. Num torneio de judô Olímpico a decisão fica no detalhe. Por muito pouco eu não fui à final. Disputei o bronze como se fosse o ouro. Fiquei feliz por minha segunda medalha olímpica, mas tenho certeza de que poderia ter ido mais longe não fossem detalhes. Portanto, esse bronze foi um fecho de ouro sim!    

Depois do vôlei, o judô é o esporte que mais deu medalhas ao Brasil. O que você acha que fez a modalidade ser tão vencedora num lugar tão longe do seu país de origem, o Japão?

O judô brasileiro soube aproveitar a vinda ao Brasil de senseis japoneses que acompanharam a imigração nipônica para o País. Houve uma simbiose desse ensinamento com o talento do atleta brasileiro. Além disso, a partir de minha descoberta dos torneios europeus, o judô nacional se inseriu no circuito mundial e praticando um importante intercambio com as outras forças do judô internacional. Isso foi o que permitiu o progresso do judô nacional.  

Analisando a equipe de judô do Brasil na Rio 2016, você acha que teremos mais ouros no “caminho suave”? Quais judocas brasileiros você apontaria com chances de medalhas nos tatames do Rio de Janeiro, em agosto?

O judô nacional poderá sim ganhar medalhas no Jogos do Rio. O judô feminino, por conta do resultado das últimas Olimpíadas, entra com mais chance. Sarah Menezes, Erika Miranda, Rafaela Silva, Mayra Aguiar e Maria Suelen Althman tem boas chances. No masculino o Brasil também tem chances principalmente com Victor Penalber, Rafael Silva e Thiago Camilo. Mas os demais judocas da equipe pertencem à elite do judô mundial e não será grande surpresa que conquistem pódios olímpicos na capital fluminense.    

Onde e como estão guardadas as suas medalhas Olímpicas? Costuma usar de vez em quando para relembrar as conquistas?

Guardo-as em casa. Só as exibo quando solicitado, em entrevistas, documentários ou outros eventos. 

Independentemente de ser ouro ou bronze, qual o significado de ser um medalhista Olímpico?

Representar o País numa Olimpíada empresta um enorme peso psicológico ao atleta. Não basta estar muito bem técnica e fisicamente. A cabeça precisa estar muito melhor preparada. A pressão é enorme. Me lembro do que senti em Seul. O Brasil voltou de lá com apenas uma medalha de ouro: a minha. A cobrança era muito forte. Inclusive a auto-cobrança. Numa Olimpíada, a distância entre ganhar o ouro ou o bronze é muito pequena.   

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