Com rios praticamente secos, escolas enfrentam falta de alunos e professores. Em Boa Vista do Ramos, o “Projeto Estude em Casa” é reativado para minimizar impactos.
Impactos da seca geram um isolamento em várias comunidades ribeirinhas. (Fotos: Reinaldo Campelo)
A seca que afeta o estado do Amazonas, em 2024, é considerada uma das mais severas já registradas na região, com impactos profundos e abrangentes nas comunidades locais e no ecossistema. Este fenômeno climático, que se intensificou ao longo do ano, é resultado de uma combinação de fatores, incluindo anomalias climáticas e a influência de fenômenos como o El Niño, que alteram os padrões de precipitação e temperatura.
Historicamente, o Amazonas já enfrentou períodos de seca, mas a gravidade da situação atual é preocupante. Os níveis dos rios estão significativamente abaixo da normalidade, com registros de cotas mínimas históricas em várias estações de monitoramento, especialmente nas calhas do Juruá, Purus e Alto Solimões.
Essa situação de vazante extrema tem gerado preocupações sobre a navegabilidade, o abastecimento de água e a segurança alimentar das populações ribeirinhas, que dependem dos rios para transporte e sustento.
A seca causa uma série de impactos diretos nas comunidades, especialmente nas mais vulneráveis. A escassez de água potável e a dificuldade de acesso a recursos hídricos comprometem a saúde e o bem-estar das populações.
Além disso, a redução dos níveis dos rios afeta a pesca e a agricultura, atividades essenciais para a subsistência local. O Governo do Amazonas, reconhecendo a gravidade da situação, declarou estado de emergência nos 62 municípios do estado.
No que diz respeito ao Baixo Amazonas, a situação é particularmente crítica. As comunidades ribeirinhas enfrentam desafios extremos devido à seca, com a falta de água potável e o comprometimento da navegação. As previsões climáticas para os meses de setembro, outubro e novembro de 2024 indicam que a situação de seca deve persistir, com chuvas abaixo da média e temperaturas acima da média, o que pode agravar ainda mais os problemas enfrentados por essas comunidades.
Os impactos do transporte fluvial, decorrentes da queda nos níveis dos rios, geram um isolamento significativo de várias comunidades ribeirinhas que dependem desse meio para diversas atividades essenciais.
Esse isolamento afeta diretamente o transporte de alunos e servidores, além de comprometer o abastecimento de água e insumos básicos, prejudicando o funcionamento das instituições de ensino. Como resultado, observou-se um aumento na taxa de faltas e a suspensão temporária de aulas em diversas regiões.
Em algumas comunidades do município de Boa Vista do Ramos, as escolas estão sem alunos devido às dificuldades logísticas enfrentadas, uma situação que também afeta os professores.
Lago Preto, Lago Massauari, Ramos de Baixo, Ramos de Cima e Distrito de Urubu, regionais de Boa Vista dos Ramos, 23 escolas estão afetadas, impactando mais de 400 alunos, conforme informações da Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista do Ramos (Semed-BVR). Nas escolas ainda em funcionamento, a dificuldade de acesso à água potável agrava ainda mais a situação, comprometendo a saúde e o bem-estar dos estudantes.
Em algumas comunidades, as escolas estão sem alunos.
Diante desse cenário crítico, foram implementadas medidas emergenciais pela Prefeitura Municipal de Boa Vista do Ramos, entre elas ações para minimizar os impactos nas escolas municipais como o uso de apostilas por meio do projeto “Estude em Casa”, que visa garantir a continuidade do aprendizado, mesmo em condições adversas.
Isaac Gadelha Maia, Secretário de Educação de Boa Vista do Ramos, explica sobre o impacto da seca no município.
E para minimizar o impacto, a Secretaria de Educação do município voltou a utilizar o “Projeto Estude em Casa” utilizado em 2020 em resposta à suspensão das atividades letivas presenciais devido à pandemia de Covid-19.
O projeto visa garantir a continuidade do processo de ensino e aprendizagem, utilizando ferramentas de educação à distância para atender os alunos da rede municipal de ensino.
Prefeitura de Boa Vista do Ramos implementou medidas emergenciais.
Segundo Maia, a proposta do projeto busca não apenas a manutenção das atividades educacionais, mas também a sensibilização da comunidade escolar sobre a importância da participação e acompanhamento dos alunos nas atividades remotas.
Sem aulas presenciais
Eliza Maria Silva Gama, 14 anos, estuda na Escola Estadual Rosa Michiles, localizada em Lago Preto. Atualmente, cursando o 8º ano, ela deixou de frequentar as aulas presenciais desde o início de setembro devido à estiagem.
Ela recebe os professores em casa, que vão entregar as apostilas e esclarecer dúvidas sobre o conteúdo por meio da iniciativa “Estude em Casa”.
“A gente sente que falta algo, eu acredito que seja a falta da escola, dos meus amigos e professores”, desabafou Eliza.
Para chegar à escola, Eliza utiliza o transporte escolar, que consiste em uma canoa que a leva, com outros estudantes da mesma localidade, até a comunidade de Enseada, na zona rural de Boa Vista do Ramos.
No desafio de atender o ano letivo, as equipes técnicas da Semed de Boa Vista do Ramos são compostas por quatro grupos, cada um responsável por diferentes níveis de ensino. A equipe da Educação Infantil, com dois profissionais, distribuiu 148 apostilas.
A equipe do Ensino Fundamental 1, formada por três integrantes, entregou 254 apostilas, enquanto a equipe do Ensino Fundamental 2, também com três membros, distribuiu 223 apostilas.
Por fim, a equipe do EJA, composta por duas pessoas, entregou 60 apostilas. Além disso, uma técnica da educação inclusiva acompanha a distribuição de apostilas em todos os níveis, assegurando que as necessidades dos alunos sejam atendidas.
A professora Lizilene Taves, que leciona educação especial na Escola Rosa Michiles, zona rural do município, relata que, dos 120 alunos, metade foi impactada pela seca. Ela foi condutora do transporte escolar na região e observa que a estiagem vem dificultando ainda mais o acesso à escola, que agora leva mais de 1h30 para ser alcançada.
“Antes, conseguíamos continuar nosso trajeto mesmo com a seca, mas agora isso se tornou um desafio para alunos e professores. Semanalmente fazemos uma programação dos alunos que precisam receber as apostilas e com outros professores saímos a campo, seja com chuva ou sol, trabalhamos para que essas crianças e adolescentes consigam estudar, esse é o grande desafio”, afirmou a docente.
Andrea Ferreira, professora do 5º ano na zona rural de Boa Vista do Ramos, também compartilha suas experiências. Como moradora da região, ela enfrentou desafios de estudar na Amazônia. Quando era aluna, foi atacada por um jacaré que por pouco não arrancou sua perna esquerda.
Raylane Leite Queiroz, 12 anos, aluna do 7º ano, relata que, em sua sala, oito alunos deixaram de frequentar as aulas devido a dificuldades logísticas. “Consigo chegar à escola porque moro na comunidade onde ela está localizada, mas meus colegas não conseguem mais. Não os vejo desde setembro e sinto falta deles. Agora, com a seca, só poderei vê-los novamente no próximo ano”, lamentou Raylane.
Micael Souza Filho, 15 anos, que cursa o 9º ano, reflete sobre a dificuldade que seus colegas enfrentam ao estudar sem a presença dos professores. “Eu consigo assistir às aulas presenciais e tirar dúvidas, mas sei que para meus colegas não se torna fácil, pois muitos moram em localidades que não têm internet e nem energia elétrica”.
(Fotos: Reinaldo Campelo)
Há uma preocupação na rede municipal de Boa Vista do Ramos em fortalecer as discussões em sala de aula sobre meio ambiente e temas correlatos. A inclusão de tópicos como a estiagem e suas consequências nas aulas pode sensibilizar os alunos para a importância da preservação ambiental e a necessidade de ações coletivas para enfrentar os desafios climáticos, ganhando destaque nas disciplinas.
*Pauta selecionada pelo 6º Edital de Jornalismo de Educação, da Jeduca e da Fundação Itaú.