Nota emitida por mais de 50 organizações mostra que a reforma tributária eleva a taxação da bioeconomia e isenta agrotóxico; acréscimo no açaí pode chegar a 45%
Em 2023, o Amazonas se destacou na produção de açaí, ocupando o segundo lugar nacional, atrás apenas do Pará
O texto atual de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/2024), em discussão no Senado, pode aumentar em até sete vezes a alíquota de produtos da sociobiodiversidade, como o açaí. Enquanto tem o potencial de ‘penalizar’ essa produção, o mesmo texto já prevê isenção de 60% para agrotóxicos, considerados nocivos à saúde. Essa é a conclusão de uma nota técnica divulgada pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade, Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e Instituto Socioambiental (ISA), e apoiada por 50 organizações.
O estudo de 53 páginas é composto por uma análise sobre o texto da reforma, à luz dos produtos da biodiversidade. Além de apontar para um perigo de sobretaxa nesses itens, o levantamento faz seis propostas de adequação ao PLP 68/2024. Dentre elas, estão a que inclui produtos da alimentação cotidiana regional na cesta básica nacional ou na lista de alimentos com 100% de isenção.
O cálculo de aumento da alíquota em até sete vezes para o açaí considera que o produto é taxado entre 7% a 20%, a depender do estado. Como ainda não há definição específica para esse item, pela nova regra prevista no texto, o imposto seria a alíquota padrão, atualmente estimada em 27,97%.
Atualmente, o açaí é isento de ICMS (imposto estadual) no Amazonas, Acre, Mato Grosso, Roraima e Rondônia, segundo o convênio 58/2005, do Conselho Nacional de Fazenda (Confaz). A exceção fica para quando o fruto passa por processos de industrialização - esses taxados por percentuais que variam a cada estado. Ainda é incerto como essa isenção deve se manter em um sistema tributário reformado, debate proposto pela nota técnica.
Se há indefinição sobre produtos da sociobiodiversidade no PLP 68/2024, por outro, o texto já prevê incentivos ao uso de agrotóxicos, diz o economista. Ele também questiona os efeitos de isentar a carne para o consumo.
O produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Codajás, Nathan da Silva Bastos Sobrinho, diz que uma perda da atual isenção para o açaí no Amazonas seria extremamente prejudicial para a geração de renda e consumo do fruto pelas famílias. O município de Codajás, a 239 quilômetros de Manaus, é líder na produção de açaí, reconhecido pela qualidade do fruto.
Ele destaca que os produtores rurais já enfrentam dificuldades na produção e que a cobrança de imposto poderia piorar o cenário. “A principal dificuldade é o transporte para Manaus. A gente envia para uma indústria aqui no município, mas nem tudo é para ela. Seria ruim ter que cobrar imposto, e nem sei como seria feito esse recolhimento, porque não tem Sefaz aqui ou outro órgão parecido”, explica. Um estudo publicado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) menciona que Codajás liderou a produção de açaí no Amazonas entre 2018, 2019 e 2020. Há mais de 600 produtores trabalhando exclusivamente com o fruto apenas neste município. Em 2023, o Amazonas produziu 105,2 mil toneladas de açaí, com um faturamento de R$ 220,9 milhões.
A nota técnica divulgada pelas entidades defende que haja incentivos fiscais para os produtos da biodiversidade, como açaí, castanha-do-Brasil, macaúba e pequi, e estima que o impacto fiscal dessa medida seria de 0,049% sobre a arrecadação nacional, considerando uma média de arrecadação estimada para 2023.O texto também sugere a garantia para que produtos e serviços com origem nos territórios extrativistas, de pescadores artesanais, de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais tenham os mesmos benefícios dos demais produtores rurais beneficiados. Além disso, propõe a simplificação de adesão a isenções e benefícios fiscais pelos pequenos produtores rurais e cooperativas ou associações de sementes nativas, da agricultura familiar e produtos da sociobiodiversidade.