ENTREVISTA DA SEMANA

'O PPB não é viável para quem quer se estabelecer, é muito engessado'

Presidente da Associação de Jovens Empresários do Amazonas aponta as dificuldades para se montar, na ZFM, empreendimentos no campo da sustentabilidade

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
22/12/2024 às 07:29.
Atualizado em 22/12/2024 às 07:29

(Foto: Jeiza Russo)

Eleita presidente da Associação de Jovens Empresários do Amazonas (AJA), a farmacêutica e empresária comercial Natasha Mayer avalia que o Processo Produtivo Básico (PPB) não é viável para quem quer se estabelecer e é “engessado”. A sigla define o conjunto de etapas mínimas de fabricação exigidas para que produtos industrializados na região possam receber incentivos fiscais por estarem na Zona Franca de Manaus.

A empresária conta que fundou a primeira indústria de cosméticos orgânicos da região, mas passou sete anos com o negócio montado antes de falir enquanto aguardava uma licença. Ela entende que o Polo Industrial é essencial para o estado, mas defende maior investimento em turismo. “Letícia, uma cidade de 50 mil habitantes, tem mais turistas do que o Amazonas inteiro”. Confira a entrevista.

O que é a associação, quantos membros possuem e por qual motivo foi criada em 2013?

A Associação de Jovens Empresários é filiada à Confederação Nacional de Jovens Empresários. É uma associação nacional que tem suas filiações estaduais. Em 2013, ela chegou aqui no Amazonas. A primeira presidente foi a Ananda Carvalho, que hoje é diretora do SEBRAE.

(Foto: Jeiza Russo)

 Começou com aquela história de um grupo de empresários jovens que tinha essa vontade de crescer, de estimular o networking no Estado para poder fortalecer, principalmente entre os jovens, porque a gente sabe que tem um preconceito muito grande com o empresário jovem. Parece que ele é menos responsável só porque ele é jovem. E foi se fortalecendo ao longo dos anos, foi aumentando o número de membros, foi ganhando robustez.

Muitos membros que naquela época tinham 30 e poucos anos, hoje tem mais de 40. A gente brinca que é a velha guarda. E aí a gente já viu que o estatuto diz que jovem não se refere necessariamente à idade, mas principalmente ao espírito jovem hoje, que é o espírito empreendedor. A limitação de idade não é para membros, mas para a diretoria. Presidência só pode ter até no máximo 45 anos. 
A Associação veio passando por processos, assim como tudo no Brasil, no mundo, teve a pandemia que também impactou as empresas, então chegou a diminuir um pouco a associação nesse período. Hoje a gente tem mais de 210 membros na associação e ela está em pleno crescimento. Temos membros de todas as áreas de negócios, desde um MEI até empresário que tem sociedade com banco de Boston. 

Quais são os principais desafios de um jovem ou uma jovem empresária?

O primeiro é que quando te olham com cara de jovem, duvidam da tua capacidade. Isso é óbvio. Isso é a primeira coisa. “Nossa, mas é você é a dona?” Por ser jovem e mulher, é claro que eu passei várias vezes pela situação de “eu quero falar com o dono”. E aí eu digo, “pois não?”.

Quando veem que a dona é uma mulher e jovem, assusta. Percebo que ainda tem um pouco daquele preconceito, mas vai diminuindo aos poucos, porque também já tem aquela percepção de que o jovem vem com mais inovação, com mais energia, com mais motivação de mudanças.

(Foto: Jeiza Russo)

 E, ao meu ver, as duas coisas são necessárias. Tanto o jovem como o mais maduro, porque a gente também precisa da maturidade nos negócios. Aqui na empresa, por exemplo, eu junto várias idades. Eu faço questão de ter jovens terminando o ensino médio, começando a faculdade e pessoas que estão próximas da aposentadoria. E eu acho que essa troca é extremamente benéfica. Você tem a energia de quem está vindo com toda a propulsão com a maturidade de quem já tem experiência.

Temos visto o país apresentar números positivos no PIB. A pobreza e a extrema pobreza caíram a níveis históricos. Ao mesmo tempo, o dólar tem disparado e o Banco Central tem aumentado os juros, o que afeta a economia. Como a Associação vê esse cenário?

O cenário econômico não está tão favorável para o empresário. Está estrangulando. Isso é ruim porque acaba atrapalhando a empregabilidade. É mais complicado a gente conseguir aumentar a geração de empregos quando a gente começa a ser mais estrangulado por impostos e taxas. A conta vem. Então, se a gente conseguisse diminuir essa conta governamental para repassar para empregos, seria mais benéfico para o empresário e para a população.

Por várias vezes, a associação se reúne com políticos para discutir. Nesse momento, a gente tem algumas negociações sendo feitas para verificar ICMS e ISS. Porque, querendo ou não, quanto mais imposto a gente paga, menos emprego a gente consegue gerar.

Então, apesar da associação não ter partido político, ela sempre senta à mesa para conversar com políticos sobre como vai ser esse direcionamento de impostos e tentar fazer negociações para diminuir esse estrangulamento fiscal para o empresário para que a gente consiga aumentar a geração de empregos.

O Senado aprovou nesta semana a regulamentação da reforma tributária. Os efeitos são escalonados, o que nos faz pensar que serão mais sentidos pelos jovens empresários de hoje, lá na frente. Que avaliação a Associação faz do texto para esses jovens empresários?

A gente sabe que o governo é o nosso maior sócio. A maior fatia vai para o governo. E não tem como a gente pensar nisso sem entender que vai onerar e vai dificultar. A curto prazo talvez realmente não seja tão sentido, mas a longo prazo talvez sim... São possibilidades. O empresário vai ter que começar a ver opções que ele consiga arcar com essa conta toda.

Infelizmente, uma das possibilidades é talvez substituir empregos por máquinas, porque máquinas têm menos imposto. Eu acho que o governo também tem que achar uma forma de estruturar essa cadeia de impostos sem estrangular a geração de empregos, porque a conta não vai fechar.

As principais entidades do estado têm feito avaliações positivas sobre o texto aprovado, incluindo Fieam, CDL, Cieam. Isso contradiz com o que você coloca ou o mesmo texto abre espaço para as duas interpretações? Afinal, eles consideram mais a Zona Franca.

Eu não vi ainda como isso vai ser para a Zona Franca. Eu estava olhando principalmente na minha área, que é de serviços, que vai aumentar um pouco. Acho que talvez por isso, porque a associação tem poucos industriais. Na realidade, a grande maioria é serviços e comércio. 

Lá na ponta, a gente vai sentir que a conta vai chegar também para o consumidor no final. Espero que no fim das contas, nessa avaliação final, como a Zona Franca vai ser beneficiada, que a gente consiga ter um equilíbrio nisso tudo.

Mas se eu falo de aumento de imposto, que lá na dianteira o consumidor vai ter que pagar mais por serviços e por comércio, é meio difícil entender um cálculo benéfico.

A Zona Franca é colocada como nosso principal motor econômico, mas o comércio e serviços estão extremamente ligados a ela. Tem essa interdependência entre todos. A reforma trouxe o debate do fim da Zona Franca no futuro. O comércio e os serviços se sustentariam sem ela?

Olha, como uma pessoa que já viajou para bastante lugar, que vivia do turismo, quando a gente olha pra cá a gente não tem como não se questionar sobre como que a gente não vive de turismo também. Não que a gente deva descartar a Zona Franca. A Zona Franca está aí, é sólida, é estruturada, é maravilhosa.

Mas tem prazo para acabar pela Constituição.

Tem prazo. E a gente tem um dos lugares mais icônicos do mundo, um dos nomes mais fortes do mundo, a Amazônia. Então, eu acho que já passou da hora da gente olhar pra Amazônia com outros olhares.

(Foto: Jeiza Russo)

 Eu particularmente venho dessa zona de comércio. Eu cheguei a montar uma indústria, que foi a primeira indústria de cosméticos orgânicos daqui, com tecnologia suficiente pra ser vendida na Europa. Eu passei sete anos com a indústria montada esperando sair uma licença e não saiu. Eu fui a falência esperando que essa licença saísse. Então, do lado daqui de empresário e com experiência, e já participei de muitas mesas de debate, é muito bonito falar da Amazônia sustentável, mas a gente não tem uma cadeia estrutural que fomente esse negócio de forma adequada. 

A verdade é que o PPB, que facilita tudo, não é viável para quem quer se estabelecer. Quase nenhuma empresa consegue fazer uso disso. Ele é muito engessado e por muito menos o Pará está crescendo, a Colômbia está crescendo. Letícia tem mais turismo do que a gente. Letícia, uma cidade de 50 mil habitantes, tem mais turismo do que o Amazonas inteiro.

Você chega lá e tem o hotel da Rede Decameron, que aqui não tem. Aqui não tem nenhum hotel hoje de rede internacional, de destaque, um hotel 5 estrelas de destaque. A gente não tem. 

Quais serão as suas prioridades à frente da AJA, a partir de 2025?

Inovação, com certeza. Até porque não tem como a gente olhar para o desenvolvimento do mercado, seja lá em qual área for, sem a gente falar de desenvolvimento tecnológico e inovação e como colocar isso na nossa rotina. Isso já é uma realidade.

Com certeza, estruturar a casa, organizar o crescimento da associação, mas falar de inovação e desenvolvimento, e capacitação dessa nova geração de empresários, sim. Hoje a gente vê muita gente com vontade de ser empreendedor, tem a facilidade de abrir um CNPJ, mas a gente entende que, por mais que a gente tenha instituições que te dão suporte, como o Sebrae, como outras áreas, você também tem que estar num ambiente de pessoas que respirem esses mesmos objetivos.

Muitas vezes esse empreendedor está em uma família que ninguém é empresário. Está no meio de amigos que ninguém é empresário, e ele começa a ouvir que ele é louco. Muitas vezes é importante você estar andando com esses loucos pra poder entender e ver que você não é só mais um no meio do caminho, que tem pessoas que passam pelos mesmos desafios.
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