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Movimentação por melhores condições de trabalho é histórica, avaliam sociólogos

Reinvindicações por direitos dos trabalhadores se estendem há pelo menos dois séculos

Lucas dos Santos
online@acritica.com
18/11/2024 às 14:54.
Atualizado em 18/11/2024 às 14:54

Cientista avalia que essa mudança precisa ser acordada com todos os setores da sociedade e que uma mudança tão abrupta dificilmente seria aprovada no atual Congresso Nacional. (Reprodução)

A mobilização que pede o fim da escala de trabalho 6x1, que vem tomando conta do país desde a semana passada, não é um fato isolado na visão dos cientistas sociais Cleiton Maciel e Marcelo Seráfico, doutores em sociologia e professores do Departamento de Ciências Sociais (DCIS) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Na avaliação dos dois, essa movimentação é reflexo de uma série de lutas que se estende desde o século XIX por melhores condições de trabalho.

Cleiton Maciel relembra que as primeiras mobilizações foram para reduzir a jornada de trabalho de 16 horas para 12 horas nas indústrias, “até chegar nas oito horas que nós conhecemos e nos dias da semana que conhecimentos também”.

“É algo que foi regularizado a partir de quase metade do século XX e depois colocado como uma dimensão da Constituição Federal, como um capítulo da Constituição. Então essa questão atual do 6x1, que seria mudado e se colocaria o 4x3, é uma proposta, nesse sentido, histórica, não é nova, mas agora tem uma dimensão nova, que é o segundo ponto que eu gostaria de destacar: os trabalhadores pautando algo nacionalmente e no Congresso Nacional”, disse.

Marcelo Seráfico destaca que a redução da jornada de trabalho iniciou com o objetivo de garantir o direito à vida dos trabalhadores, que não suportavam cargas horárias exaustivas. A partir dessas lutas, se conseguiram outros benefícios como direito às férias e, “no caso do Brasil, ao 13º salário, ao FGTS”.

“Esse processo, que aconteceu em todos os países capitalistas, no Brasil teve um grande impulso a partir da década de 40 do século passado e na Constituição de 1988. Novamente foi possível avançar, inclusive com conquistas relativas aos trabalhadores do campo, que normalmente ficavam de fora desses avanços, o que significava dizer que havia uma política dúbia dentro do próprio país”, disse.

Seráfico relembra que a partir da década de 1990, vários direitos trabalhistas vêm sendo retirados, especialmente nas relações de trabalho por meio regularizações desvantajosas para os trabalhadores, criando processos de “terceirização, quarterização, pejotização, vários deles vinculados à incorporação de tecnologia nos processos de trabalho”.

“[Essas situações] criaram uma dupla situação de precarização. De um lado aqueles trabalhadores que permaneceram empregados dentro de indústrias particularmente têm jornadas, as jornadas de 6x1, com uma produtividade aumentada por conta do uso de tecnologia, sem que tenham, todavia, ganhos nos seus rendimentos, sequer próximos dos ganhos dos lucros das empresas que passaram a combinar alta tecnologia com reduzida força de trabalho. Do outro lado, aqueles trabalhadores que foram expulsos da indústria e que, em muitos casos, na maioria deles, se tornaram precarizados ou trabalhadores informais ou uberizados, esses trabalham em relações com plataformas que não querem assumir a condição de empregadores e trabalham de 12 a 16 horas, sem garantias”, analisa.

Proposta benéfica

Os dois concordaram que a extinção da escala 6x1 é positiva para os trabalhadores, que teriam mais tempo para se dedicar a outras atividades como lazer, educação, consumo e tempo de qualidade com a família e pessoas próximas.

Cleiton Maciel afirma que “os trabalhadores vivem para o trabalho, no mundo do cansaço, de forma que a redução de jornada poderia impactar positivamente isso, para que eles pudessem ter mais tempo para sua vida”, enquanto Marcelo Seráfico destaca que essas horas fora do ambiente de trabalho geram uma perspectiva de “melhora, sem dúvida, nas condições de vida dos trabalhadores.

Apesar dos benefícios, Maciel avalia que essa mudança precisa ser acordada com todos os setores da sociedade e que uma mudança tão abrupta dificilmente seria aprovada no atual Congresso Nacional.

“Você não pode fazer uma mudança nesse sentido, brusca, porque isso impactaria muitos setores, sobretudo o setor de serviço, o setor industrial, e isso precisaria ser acordado com a classe também empresarial, que é a que detém o capital, o dinheiro, isso precisaria ser acordado. Então, o que eu penso: que esse processo poderia ser feito por uma transição, para que pudesse haver uma adaptação disso. E eu acho também que, do ponto de vista da aprovação no Congresso, vai ter de negociar também algumas coisas”, disse.

Para Marcelo Seráfico, a tramitação dessa proposta um aspecto negativo com conotação positiva: “revelar a extrema insensibilidade das camadas econômica e politicamente dominantes da sociedade brasileira para a condição de vida da maioria do povo”.

“Você tem uma situação em que os grupos das classes dominantes, econômica e politicamente, tendem a rejeitar qualquer melhoria nas condições de vida dos trabalhadores. [...] nós estamos diante de um quadro em que toda e qualquer medida cujo fim seja melhorar as condições de vida da maioria dos cidadãos e cidadãs, quer dizer, da maioria daqueles que, para viver, precisam trabalhar todos os dias, é vista como negativa. Negativa para quem? Para aqueles que se beneficiam, evidentemente, dessa precarização das condições de vida”, frisa.
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