Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas comenta o histórico crescimento desordenado da cidade e propõe planejamento e descentralização
Presidente do CAU-AM, Fabrício Santos, diz que o principal problema da cidade, do ponto de vista do planejamento urbano, é o trânsito. (Foto: Divulgação/CAU-AM)
No aniversário de 355 anos de Manaus, o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Amazonas (CAU-AM), Fabrício Santos, diz que o principal problema da cidade, do ponto de vista do planejamento urbano, é o trânsito.
Para ele, além das propostas de BRT, uso dos rios e até os mais distantes metrô e monotrilho, é importante que o gestor da cidade nos próximos quatro anos invista em descentralizar a cidade. Assim, evita que muitas pessoas precisem cruzar a cidade, inchando as vias. Confira a entrevista.
Manaus, que completa 355 anos em 2024, cresceu de maneira desordenada. Em diversos momentos da história, com na Era da Borracha e no auge da Zona Franca, recebeu muitos imigrantes. Ainda hoje a cidade cresce sem um planejamento ideal de médio e longo prazo. Como Manaus pode crescer de maneira organizada?
Hoje todas as cidades têm um crescimento acelerado muito maior do que as condições do poder público de organizar ou planejar esse fenômeno. Há uma dificuldade muito grande de fazer isso, especialmente pela velocidade com que a cidade se desenvolve. E Manaus, especificamente, tem crescido só para um lado, para a zona norte.
O que normalmente o poder público faz é, naquela gestão específica, pensar o que vai fazer nos quatro anos seguintes. Isso é muito grave, porque quando muda o gestor, a tendência é mudar também os projetos. Aquilo que foi feito por uma gestão anterior, até por uma questão política, se altera, se desvia, se engaveta, ou de repente se desfaz.
O que deve ser considerado, de fato, é priorizar o planejamento urbano, trabalhando uma equipe de profissionais técnicos, de maneira que possam planejar a cidade de Manaus a médio e longo prazo, tendo na sua equipe arquitetos, urbanistas e engenheiros, para que consiga, dentro dessa visão a médio e longo prazo, ver qual é o potencial de crescimento da cidade.
Ou seja, ver onde a cidade pode se desenvolver e ali conseguir criar projetos, questões de mobilidade, para que a cidade possa fluir e respirar de uma forma, no mínimo, organizada. Como Manaus não foi planejada, tem essa dificuldade.
O gestor público precisa dar os caminhos, e como se faz isso? É você, no planejamento, colocar instituições públicas específicas nos locais, como escolas, postos de saúde, segurança, transporte urbano. Isso faz a cidade respirar e incentiva a expansão organizada.
O Plano Diretor de Manaus, que prevê ações para a expansão organizada da cidade, completa dez anos em 2024. Qual a importância dele? Há outros mecanismos de planejamento?
O Plano Diretor, sem dúvida nenhuma, é a maior ferramenta que nós temos para ajudar no planejamento da cidade, crescendo da forma correta. Ali tem diretriz de todos os âmbitos. Ele está fazendo dez anos e está na hora da revisão. Estamos atrasados, não vai acontecer neste ano. Havia a previsão, mas infelizmente não aconteceu.
Mas, sem dúvida nenhuma, ali a gente consegue ter o norte dos potenciais de crescimento da cidade, e fazer isso de forma ordenada. Se a cidade tem o potencial de aumentar o gabarito máximo das edificações, e a justificativa para que isso possa, no seu entorno, se desenvolver, maravilha. Se o caminho for outro, for a cidade ainda permanecer mais horizontal, o Plano Diretor é a nossa principal diretriz.
Além disso, o poder público tem que convocar as comunidades, os especialistas, as instituições, para debater sobre a cidade. Hoje tem instituições sem fins lucrativos que conseguem discutir, debater e propor ideias.
Então, não somente as diretrizes que são obrigatórias do cumprimento do Plano Diretor, mas envolver mais a sociedade, envolver as pessoas para sentir a real necessidade da população, para que o planejamento possa ser trabalhado da forma correta.
A tendência da cidade é crescer verticalmente ou horizontalmente? Como está hoje?
A gente tem condições de verticalizar mais, porém, o que está faltando, de fato, é trabalhar a mobilidade. Porque se eu tenho um transporte público de qualidade, se eu tenho bem distribuído os setores da cidade, se eu priorizo o pedestre com as calçadas adequadas, seguras, arborizadas, eu dou condições para a diminuição da utilização dos veículos.
O maior problema de Manaus hoje se chama trânsito. É o inchaço das vias e um péssimo transporte público que obriga as pessoas a utilizarem veículo próprio ou aplicativos de transporte para poder acessar seus negócios, suas necessidades.
A falta de mobilidade é um problema histórico da cidade. Gestões anteriores tentaram executar um plano de BRT que não deu certo. Hoje temos apenas o ônibus como transporte coletivo. Planos mais sonhadores falam em metrô e monotrilho. Realistas, em BRT e uso dos rios. O que pode ser feito, de fato?
Não tem como a gente falar de mobilidade sem citar o transporte público, mas não é exatamente o modal, mas a necessidade de levar o usuário de norte a sul, de leste a oeste. Quero dizer que uma ação importante, e que poderia ajudar a reduzir essa pressão nas vias, é ajudar a evitar que o usuário tenha de cruzar a cidade para chegar a um local, por exemplo ao trabalho.
Falando do transporte público eficiente, a gente não pode considerar realmente o metrô de superfície, aquelas ‘viagens’ que vendem na gestão pública. O custo é altíssimo e são projetos que levariam anos para serem executados. A ação mais imediata é, sem dúvida nenhuma, obrigar as empresas de transporte público a aumentar o número de veículos. Criar, talvez, uma cartilha de cumprimento de horário. Se há trânsito, então a empresa precisa ter as condições de colocar um ônibus acima da frota comum para que possa favorecer aquele usuário.
Tem um ponto que a gente não pode descartar também, que é a conscientização da pessoas. Há famílias com quatro pessoas e que todas saem, cada uma no seu carro. Há pessoas que moram próximas e vão para o mesmo lugar, mas cada uma no seu veículo. O usuário precisa ter a conscientização e reduzir o uso do carro sem necessidade, a dependência do próprio veículo.
Em São Paulo, por exemplo, muitos executivos utilizam o metrô. Isso não aconteceria em Manaus. Muito por causa do calor e do trânsito, o manauara se recusa a entrar no transporte público, especialmente se for um executivo ou uma pessoa que trabalha em setores específicos.
O mundo tem feito um debate sobre adaptação das cidades à mudança climática. Temos sofrido com estiagens e cheias históricas, muito calor e chuvas fortes ao longo dos anos. O CAU-AM tem realizado reuniões sobre isso, pensando na COP30 de Belém. Quais discussões estão na mesa? Se fala sobre adaptação das cidades? O que funcionaria em Manaus?
Somos um Conselho que trabalha o perfil do profissional técnico em arquitetura e urbanismo, mas, como instituição, temos trabalhado em políticas ambientais, priorizando sempre o papel do arquiteto urbanista em projetos de melhoria da qualidade de vida das pessoas. Então, alguns eventos que o CAU vem promovendo são trabalhos preparatórios para a COP 30, que acontece ano que vem em Belém e discutirá mudanças climáticas.
Temos falado sobre o impacto do homem no desenvolvimento das cidades e o que isso gera de prejuízo para o meio ambiente. Esses eventos discutem possibilidades, caminhos de trabalhar, políticas para favorecer a minimização desses impactos.
Manaus está em uma região chamada de pulmão do mundo, então, naturalmente, Manaus também está no centro do mundo. E por estar nessa posição, o dever de priorizar, de sair na frente nas políticas de proteção ao meio ambiente. Como se trabalha isso? Dando exemplo.
Temos como trabalhar a vegetação adequada para o sombreamento, vegetação adequada na colocação das calçadas. Manaus não tem calçadas, mas é possível trabalhar a recuperação das calçadas e, paralelamente, trabalhar com campanhas de conscientização para que a frente de cada estabelecimento, a frente de cada moradia, seja zelada pelos proprietários.
Manaus escolhe, no domingo, o próximo prefeito para os próximos quatro anos. Se falou muito do Centro da cidade nesta eleição. O que o CAU avalia que aquela região da nossa capital precisa? Qual é a prioridade?
O centro de Manaus precisa de segurança, esse é o primeiro ponto. Ali existe uma referência histórica muito grande. Existe um desejo da cidade de usar o Centro de Manaus. Por que o Manauara não vai no centro? Por falta de segurança.
Hoje, com toda a história viva que Manaus tem, essa história está concentrada no Centro. Então, eu enxergo aquela região como o maior ponto turístico que a Amazônia pode ter, desde que invista em lazer e entretenimento. A gente também precisa de qualidade no estacionamento para os estabelecimentos e na iluminação pública. Por fim, falta um trabalho maior de assistência às pessoas em situação de rua. Manaus não tem um albergue para essa população. Todas as capitais têm. Se o candidato que vencer a eleição tiver condições de trabalhar o Centro com prioridade, tenho certeza que Manaus será referência nos negócios, no turismo e lazer.