ENTREVISTA DA SEMANA

Se parar a energia, a reboque vai parando tudo, diz chefe da Casa Civil sobre os riscos da vazante

Com um seca recorde se anunciando, governo tratou de pedir o estoque de combustível para os municípios que dependem de termelétricas

Rayane Garcia
17/09/2023 às 07:58.
Atualizado em 17/09/2023 às 07:58

Coronel Francisco Máximo disse que 52 municípios do interior do Amazonas são atendidos por usinas termelétricas (Foto: Jeiza Russo)

Com a possibilidade cada vez mais presente de uma vazante recorde dos rios no Amazonas, o  secretário estadual  de Defesa Civil,  coronel Francisco Máximo, afirma que já estão sendo tomadas medidas para eventual problema de desabastecimento tanto de municípios do interior quanto de Manaus. 

Até o momento quatro cidades estão em situação de emergência e outras 23 em estado de alerta. E a previsão é de que esse cenário se ampliará. Com a baixa das águas do rio Madeira, por exemplo, o fornecimento de insumos para o Polo Industrial de Manaus (PIM) e o transporte de produtos das fábricas para outros estados pode ser afetado. 

Na terça-feira (12/9), o governador Wilson Lima (União) decretou situação de emergência ambiental no Amazonas e anunciou a disponibilização de R$ 100 milhões para o apoio de ações de socorro aos  municípios. A seguir, trechos da entrevista. 

Teremos a maior seca dos últimos treze anos?

Não trabalhamos muito com precisão, porque a meteorologia pode  mudar. Mas as previsões mostram que teremos sim uma estiagem moderada ou severa. Independente de bater a marca histórica, os impactos acontecerão. Então esse não é o x da questão, mas enxergando os sinais e o comportamento dos nossos rios e a própria climatologia, observamos que temos uma forte chance sim de termos uma estiagem severa, aos níveis do que aconteceu em 2005 e 2010. 

Quais os indícios que levam a essa conclusão? 

Nós estamos falando de um desastre gradual. Quando a gente observa diariamente que os padrões meteorológicos mostram altas temperaturas e baixa precipitação, dois dados extremamente importantes e esses dados nos mostram que  de fato não está tendo chuva suficiente, principalmente nas cabeceiras dos rios que são as chuvas necessárias. Então analisando estudos hidroclimatológicos com o comportamento dos rios tudo leva a crer,  e considerando que estamos analisando as últimas marcas históricas, há uma semelhança do padrão dos rios atuais, para o padrão da época de 2010 e 2005. 

A partir desses aspectos, já conseguimos prever quantos municípios entrarão em estado de emergência? 

Sim. Estamos com 15 municípios em situação de alerta (número que subiu para 23), principalmente os municípios da calha do Juruá, Purus e alguns municípios da calha do Alto Solimões. Então a previsão é de que nos próximos dez dias, no máximo quinze, esse municípios que estão em situação de alerta evoluam para situação de emergência.

Algum desses municípios apresenta uma situação de risco maior? 

Nós temos de 25 a 27 municípios que estão descobertos de pista de pouso e eles até recebem aeronaves e aviões, mas em tempos de cheia, no tempo de vazante não é possível (em vazante severa eu me refiro). Então, os municípios que não dispõem de pista de pouso, que não estão interligados por uma estrada terrestre, esses nos remete uma preocupação maior, porque são municípios que poderão ficar isolados e consequentemente havendo um desabastecimento seria difícil para podermos fazer esse reabastecimento, levar toda essa logística que o município precisa. 

Há o risco de desabastecimento?
 
Risco nós corremos. Agora o que nós estamos fazendo: dentro do nosso fluxo de preparação, a gente tem alguns pontos que consideramos mais sensíveis que são: energia elétrica, água, alimentos, transporte, comunicação. Hoje 52 municípios são movidos por termelétricas. Então significa dizer que esses municípios precisam de óleo diesel, para manter a sua energia funcionando. Tratamos de conversar com o Ministério de Minas e Energia, com a Amazonas Energia, com a Aneel e aqui no Estado conversamos com todas as empresas que são as detentoras do serviço, como a Powertec, com a Greoo, com a Ream, com a Atem, com as empresas que fornecem combustíveis. E graças a esse trabalho preventivo eles também puderam se antecipar e garantir estoques de combustíveis suficientes para a manutenção dessas termelétricas. É um ponto sensível, muito crítico, porque se parar a energia a reboque vai parando tudo.

O rio Madeira é a rota de abastecimento de Manaus. Conseguimos prever um impacto, desabastecimento? 

Já temos inclusive uma certa dificuldade por conta dos calados das grandes embarcações. Ainda está navegável, ainda tem trafegabilidade, porém já estão transportando menos carga. Claro que se o rio chegar a níveis críticos, são rios extremamente importantes, que ligam a tudo que se produz e nessa esteira de preocupação nós conversamos com a Suframa, com o Cieam, a Fecomércio, a CDL, justamente para que eles pudessem se antecipar e a gente não ter paralisação do nosso setor produtivo, que a Zona Franca não pare por falta de insumo, falta de escoamento da produção, empregos. Agora poderemos ter sim? Sim. Nesse momento o rio Madeira ainda está trafegável, porém para algumas embarcações de grande porte não.  

Qual o recurso disponibilizado pelo governo do Amazonas para ações de enfrentamento à estiagem?

O estado apoia e ele está deixando um aporte de recurso na ordem de 100 milhões para atender às possíveis demandas. Quais são? Ainda não sabemos, mas a gente acredita que isso pode estar sendo mais direcionado  principalmente para a ajuda humanitária, com alimentos, água, remédios. Mas esse pacote vem sendo utilizado na medida que formos demandados pelos municípios, em função das suas necessidades. 

Quais são as ações que a Defesa Civil vai fazer com esse aporte financeiro?
 
Se vier uma demanda extraordinária a gente vai procurar atender. Agora a gente compreende que nesse momento o que se torna mais importante é a manutenção dos serviços essenciais, evitar  a insegurança alimentar, evitar o isolamento, pessoas isoladas possam a vir a ter um problema de insegurança alimentar ou de deslocamento por conta de uma enfermidade. A preocupação agora é divulgar para a população, não no sentido de gerar medo, mas que elas entendam o que de fato está acontecendo e possam também nos ajudar a se proteger. Se eu moro em uma  comunidade ribeirinha distante da minha sede, do meu município e eu to vendo que rio está baixando e  que em algum momento eu vou ficar em uma condição de isolamento, a gente está inclusive recomendando que  essas pessoas procurem a casa de parentes na sede do município e vá pra lá porque havendo uma necessidade de atendimento é mais fácil atendê-los na sede do município do que comunidades ribeirinhas distantes e afastadas. 

O governo federal está ciente do que está acontecendo no Amazonas? 

O governo federal está ciente, houve uma comunicação tanto a nível de defesa civil, quanto do próprio governador que já conversou com os ministros, principalmente com o ministro do desenvolvimento regional para que numa eventual necessidade de apoio o governo federal possa nos ajudar. 

Já fez algum anúncio de envio de recurso?
 
Não. Porque eles trabalham por demandas, mas se colocaram à disposição para ajudar o estado no que for necessário, mas neste momento não tem nada ainda pré-definido. 

A Marinha emitiu um alerta para evitar a navegação noturna no rio Madeira. É realmente necessário esse alerta?

Tem dois olhares. A marinha está olhando pelo olhar da segurança. Então pelo olhar da segurança, que pessoas, embarcações possam ficar encalhadas em uma navegação noturna eles acharam prudente e temos que entender que quem tem a competência legal nesta área, porque o rio madeira é de competência federal - ele liga o estado a outros estados - é a Marinha dentro das suas normas e verificando as condições do rio entendeu. Por outro lado, a gente entende que isso compromete. Agora a gente tem que avaliar qual o viés. Eu não sei te dizer se o nível hoje dos rios estão realmente colocando a navegação em risco, mas se estiver é uma medida, sim, muito assertiva. 

E quais são as orientações agora para a população?
 
A população tem que agora entender sobretudo o que as mudanças climáticas estão nos mostrando. O que a gente tem feito muito nesse momento é o chamado às pessoas a refletirem. Todos nós dentro desse sistema temos que fazer a nossa parte. Nós temos que continuar atentos às grandes enchentes, às grandes vazantes, às tempestades locais. Tudo isso é fruto de mudanças climáticas e temos que entender o nosso papel: não jogar lixo, não realizarmos queimadas, tem que evitar o consumo exagerado de combustíveis fósseis, reduzir de modo geral o consumo dos combustíveis naturais, porque eles são escassos e dessa maneira contribuir para a manutenção do clima. Os desastres certamente virão cada vez mais intensos e mais frequentes. 

Desde o ano passado a defesa civil previa uma estiagem severa. O que foi feito de capacitação para esse momento em que estamos hoje?

Fizemos várias capacitações, tanto em nível operacional, quanto administrativo. Para que de fato as defesas civis municipais pudessem de forma bastante antecipada se planejar, se preparar e poder através desse planejamento, garantir a proteção civil das pessoas. 

No plano administrativo, hoje tudo é trabalhado dentro de um sistema. Então há a necessidade de se conhecer o sistema. São muita normas. Muitas legislações. Tem muitos regramentos que precisam com que quem esteja do outro lado tenha o conhecimento, para no momento que for necessário usar esse acervo de forma legal, dentro do que prevê as normas. 

Na parte operacional nós temos vários aplicativos, inclusive foi entregue agora um sistema de proteção da defesa civil que visa trabalhar uma compilação de dados, para que a gente possa ter uma celeridade  nas informações colhidas a campo. Ali ele tem condições de registrar as ocorrências, as pessoas, as famílias, as áreas de risco, a quantidade de pessoa por área de risco, fazer a solicitação de materiais, insumos, entregar esse material com controle do aplicativo,  tem uma série de funcionalidades.

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