Exploração versus conservação

Prospecção de petróleo na foz do Rio Amazonas racha o governo Lula

Líder do governo no Senado e Petrobras defendem exploração na área, enquanto Ibama e ministra Marina Silva discordam

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
19/05/2023 às 23:07.
Atualizado em 20/05/2023 às 08:17

Foz do Rio Amazonas vista por satélite (NASA/reprodução)

O plano da Petrobras de explorar petróleo na foz do Rio Amazonas, no Amapá, tomou o debate público nesta semana. O ápice ocorreu com a decisão do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de negar uma licença para a perfuração de um poço na área.

A decisão do órgão federal provocou um racha no governo, expondo ainda mais posicionamentos divergentes sobre o tema.

Um dos pontos altos foi a saída do senador amapaense Randolfe Rodrigues, líder do governo Lula no Congresso, do partido Rede. A sigla tem a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, como a sua principal liderança.

Divergência interna foi ainda mais evidenciada com a saída do senador amapaense Randolfe Rodrigues do partido Rede, liderado pela ministra Marina Silva (Geraldo Magela/Agência Senado)

Em nota, a Petrobras se disse “surpreendida” pela decisão e que o pedido de licença se restringia à perfuração de um poço com o objetivo e verificar a existência ou não de jazida petrolífera na chamada ‘Margem Equatorial’, onde se localiza a foz do Rio Amazonas.

“Pleiteamos apenas a licença para atividade de perfuração do poço e para isso apresentamos todos os estudos e projetos necessários”, informou a petrolífera.

Estatal brasileira defende que possui expertise suficiente para realizar a busca por petróleo na Margem Equatorial. (Divulgação/Petrobras)

Por outro lado, o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirma que o projeto da estatal ainda possui pontos críticos.

“Apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental”, afirma.

Uma das razões para a negativa é a ausência da chamada Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), que permite identificar áreas em que não seria possível explorar o petróleo em razão dos impactos associados.

A Petrobras diz que o Ibama já havia reconhecido, em janeiro, que não há instrumentos legais que baseassem uma negativa da licença com a não realização da AAAS.

O presidente Lula tem evitado falar sobre o tema publicamente, mas o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou nesta semana que o petista tem dialogado com ele e o governador do Amapá – o projeto prevê apoio de ambos os estados.

“Lula disse que haverá de mediar o assunto com os ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente”, afirmou Barbalho.

Apesar da negativa do Ibama, a questão deve se estender, já que a Petrobras confirmou que irá recorrer da decisão em âmbito administrativo.

Vale dizer também que o Ibama negou o pedido de licenciamento para o chamado Bloco 59, porém, ainda há outros cinco pendentes de análise por parte do órgão ambiental.

‘Essa é uma exploração não viável’

Doutora em Fisiologia Vegetal e integrante do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Muriel Saragoussi afirmou para A CRÍTICA que a exploração do petróleo na foz do Amazonas não deveria ser uma prioridade do setor brasileiro.

“A Petrobras, principalmente sendo do estado brasileiro, deveria estar investindo em novas formas de produção de energia, em meios de produzir sem contribuir com a mudança climática. O petróleo, com seu uso nos transportes e em outras formas, é um dos principais causadores da mudança climática, do efeito estufa”, disse.

Ela criticou uma avaliação existente em parte da classe política sobre uma ‘necessidade’ de o tema ser debatido e disse que a questão é “técnica”.

“O Ibama fez uma análise técnica do plano de exploração da Petrobras. E todos os técnicos que trabalharam nessa análise são unânimes em dizer que o projeto não tem viabilidade, porque os problemas e os custos ao meio ambiente serão maiores do que os benefícios que vão ser trazidos com a exploração”, comentou.

‘Encontrar reservas é importante’

Geólogo e doutor em Ciências Ambientais, Daniel Borges Nava avalia que projetos de pesquisa para saber se há petróleo em determinada área são sempre “muito bem-vindos”.

Ele afirmou ao A CRÍTICA que a Petrobras, com o aparato tecnológico e experiência na região amazônica, tem expertise para realizar o projeto.

“É sempre bom registrar que a Petrobras está na Amazônia desde os seus primórdios. Ela encontrou petróleo e gás na região de Urucu, no Amazonas, e tem uma produção desde os anos 80”, disse.

Para ele, encontrar novas reservas de petróleo continua sendo importante para fortalecer a autossuficiência do país no setor.

“O Amapá pode ser um novo produtor do petróleo e isso ganha uma estratégia importante do ponto de vista das informações iniciais que mostram a área como um local onde pode haver concentrações de óleo e gás promissoras”, disse.

Nava considera que a Petrobras está preparada para atender às exigências ambientais do projeto.

“Se você buscar, vai ver que a Petrobras tem toda uma história de sucesso na governança ambiental. O caso de Urucu é um exemplo de sucesso”, afirmou o geólogo.

Comentário: Marcelo Seráfico, sociólogo

‘Quem tem interesse nisso?’

O que estamos acompanhando, e que me parece muito com os governos anteriores do PT, é não fazer essa mudança de rota, de pensamento, em setores-chave.
Para fazer algumas políticas socialmente responsáveis, que possam recuperar os atrasos desses seis anos de governo Temer e Bolsonaro, particularmente esse último, para fazer essas políticas ele vai negociar com outras que são as mais importantes, que seriam as políticas estruturais.
Lamentavelmente, me parece que se anuncia uma espécie de nova conciliação com setores da sociedade comprometidos com o passado. Me refiro, por exemplo, a projetos como a BR-319, a exploração de potássio em Autazes, o garimpo em terras indígenas.
É uma coisa muito delicada, porque, quais são os setores que tem interesse nisso tudo? É a indústria do petróleo, o agro, a mineração, quer dizer, são grandes setores, monopolistas em geral, se colocando no enfrentamento contra populações tradicionais, ribeirinhos, quilombolas, sindicatos de trabalhadores rurais.

Abaixo-assinado

Documento com assinaturas de mais de 80 organizações, incluindo o Greenpeace Brasil, foi entregue ao governo. Pedido é para barrar o projeto.

Em números

14 bilhões de barris de petróleo é o potencial de exploração na chamada Margem Equatorial Brasileira.

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