Deslocamento

Moradores da comunidade do Catalão sofrem com o medo do isolamento causado pela estiagem

Para amenizar os efeitos, cerca de 15 famílias levaram seus flutuantes para a margem mais aberta do Rio Negro e outras 10 para o Lago do Porção, em Iranduba

Rayane Garcia*
online@acritica.com
05/09/2024 às 15:59.
Atualizado em 05/09/2024 às 16:10

(Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

"Tá tudo seco, não tem mais água nem para beber". Esse é o relato de Seo Raimundo Luz, morador há 15 anos da comunidade do Catalão, região onde vivem 117 famílias que já sente os efeitos da estiagem, com a descida do rio Negro. A vazante dificultou atividades de pesca e o acesso aos serviços básicos como moradia, água, luz e alimentos.

Hoje, a medição do Porto de Manaus marcou 19.01 m, abaixo 3,84 m do mesmo período do ano passado.

Para amenizar os efeitos, cerca de 15 famílias levaram seus flutuantes para a margem mais aberta do Rio Negro e outras 10 para o Lago do Porção. Aqueles que optam por levar para a margem, estão sob o risco de temporais e quem decide levar para o lago, terão que percorrer uma distância ainda maior a pé para chegar na parte central da comunidade, quando secar.

Seo Raimundo Luz teme sobre a possibilidade de não conseguir mais acesso a água potável. (Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

Parte da população atravessa para o bairro do Mauazinho na busca por água potável quase todos os dias. Seo Raimundo Luz conta que nesse momento ainda consegue vir a Manaus, mas quando tudo secar, não sabe o que fará para conseguir água limpa.

“A água que tem, não presta para beber. Todo dia tenho que ir lá fora e daqui há uns dias nem isso mais. Só Deus sabe como vai ser, porque não conseguimos atravessar a terra com bote”, conta.

O medo do isolamento fez com que os moradores perfurassem um poço artesiano. A conclusão está marcada para o dia 15 de setembro e o investimento para esse serviço é de organizações sem fins lucrativos de São Paulo, que se propõe a ajudá-los.

Outras medidas, como a construção de uma barragem para evitar que essa bacia seque por completo está prevista para a última semana de setembro. O rio já está mais baixo quando comparado ao ano passado, por isso, os comunitários preveem que sejam usados mais de 600 sacos de areia. Todas essas medidas são tomadas por iniciativa própria da população.

Moradores se reuniram para fazer um poço artesiano com medo de ficarem sem abastecimento de água potável (Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

Deslocamento dos flutuantes

É o segundo ano que a família de José Almeida e Eunice Lopes se mudam para o lago do Poção. A região é parte mais profunda do Catalão, alternativa que eles buscam para fugir da seca, quando os flutuantes encalham devido ao chão rachado e a lama.

Neste ano, a vinda para o lago foi adiantada devido a velocidade da descida do rio. São oito pessoas que sobrevivem da pesca, mas que por conta da estiagem está cada vez mais difícil conseguir alimento.

"A pesca tá ruim. Aqui fica um poço e vem muito pescador de outros lagos [que secaram]. Pra gente que mora aqui dentro, fica mais escasso", disse.

O pescador José Almeida, sua esposa Eunice Lopes e família (Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

Apesar de ficar na região metropolitana de Manaus e fazer parte da Prefeitura de Iranduba, o abandono é o sentimento vivido na comunidade. A família está a oito dias sem energia elétrica e contam que nesse período de seca é muito comum passarem dias sem luz.

Outro problema vivido é a questão da saúde. O atendimento de agentes de saúde chega, mas com poucos recursos para o atendimento. Nesse período, remédios para evitar doenças que são trazidas pela vazante e às consultas médicas não são acessíveis a essas pessoas.

“As vezes vem médico do Iranduba, mas nem remédio tem para dar. Nem remédio para verme,  é o mesmo que não vim. Por isso a gente tem que aprender a viver com a dificuldade”, conta Eunice.

(Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

Mesmo enfrentando a seca, e as dificuldades colocadas pelo calor e fumaça, eles não pensam em sair desse local. “Aqui pra gente é bem tranquilo, para criar os filhos da gente é um ótimo lugar. Tirando a seca, é bom demais aqui”, conclui José.

Abandono

A presidente da Comunidade do Catalão, Raimunda Viana, relata que a região é turística, todos os dias barcos e lanchas passam com curiosos de todo lugar do mundo. O modo de vida ribeirinho chama atenção, mas a assistência custa a chegar.

“Pra nós, o socorro vem de Deus, porque de algum lugar está faltando. Somos uma comunidade reconhecida, mas quem pode nos ajudar, eu acho que estão falhando”, afirma.

Raimunda Viana, presidente da Comunidade do Catalão, relata que a assistência custa a chegar na região. (Foto: Rayane Garcia/A CRÍTICA)

O apoio vem dos que eles consideram amigos, que são pessoas voluntárias e ativistas que fazem o trabalho de arrecadação de insumos para a distribuição nesse local e da rede de apoio criada entre os moradores.

Amazonas

Mais de 300 mil famílias no estado do Amazonas já sentem os efeitos da seca nos 62 municípios do estado, segundo a Defesa Civil. A previsão é que o recorde do Rio Negro seja batido na última semana de setembro.

(*) Especial para o Portal A CRÍTICA.

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