Riscos para o futuro

Mesmo após secas, estado e prefeituras não têm planos climáticos

A ausência dos planos mostra também um deslocamento das políticas públicas no cenário ambiental; Uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em julho, aponta que 97% da população do país afirma que já percebe os impactos da crise climática no cotidiano

Waldick Junior
online@acritica.com
18/11/2024 às 15:29.
Atualizado em 18/11/2024 às 15:32

No Amazonas, as 62 prefeituras não têm planos que preveem adaptação a esses extremos climáticos. (Junio Matos)

Baku - Mesmo após duas secas históricas que deixaram, cada uma, mais de meio milhão de pessoas isoladas  no Amazonas, o estado e as 62 prefeituras não têm planos que preveem adaptação a esses extremos climáticos. Em um ano com furacões, fortes enchentes e estiagens severas, o mundo discute até a próxima semana meios de se adaptar à mudança do clima na 29ª Conferência das Partes (COP29), em Baku, no Azerbaijão.

Enquanto isso, devido à despreocupação dos gestores municipais com o tema, a Escola de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), presidida pelo conselheiro Júlio Pinheiro, prepara uma reunião presencial com os prefeitos recém-eleitos e reeleitos para destacar a pendência e a obrigatoriedade de definir os planos.

A informação foi confirmada pelo procurador Ruy Marcelo Alencar, titular da coordenadoria de meio ambiente do Ministério Público de Contas (MPC). O órgão ligado ao TCE tem feito cobranças individuais aos prefeitos, algumas com decisões já proferidas em favor da necessidade de elaboração  dos planos.

“Pelas evidências até aqui, a execução da política pública é tímida e aquém da gravidade e urgência do enfrentamento dos riscos e vulnerabilidades a eventos extremos e outros impactos sociais, ecológicos e econômicos da mudança do clima”, avalia o promotor. “Não temos ainda resultados e ações mais eficazes e com grande dependência de recursos financeiros de outros entes por não terem tais políticas no Estado a devida prioridade requisitada constitucionalmente”, acrescenta.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em julho, aponta que 97% da população do país afirma que já percebe os impactos da crise climática no cotidiano. (Junio Matos)

 A ausência dos planos mostra também um deslocamento das políticas públicas nesta área com algo que já é sentido na pele dos brasileiros. Uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada em julho, aponta que 97% da população do país afirma que já percebe os impactos da crise climática no cotidiano, o que reforça a impossibilidade de  as cidades continuarem sem planos climáticos. 

Além disso, conforme o mesmo estudo, ao menos 77% dos brasileiros experimentaram algum evento extremo nas semanas anteriores ao estudo. O calor (65%), chuvas intensas (33%) e seca extrema (29%) foram os mais comuns.

Cenário geral
Vale dizer que a ausência de planos climáticos é um problema observado em todo o país. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, a especialista em política climática e chefe da diplomacia para cidades na C40 Cities, Marina Marçal, o assunto costuma ficar restrito à área federal. A C40 Cities é o grupo de 40 Grandes Cidades para a Liderança do Clima.

“Temos mais de 5 mil municípios brasileiros e, destes, apenas 23 têm planos de ação climática”, alertou a especialista. Outro levantamento feito, em maio, pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), ligado ao Observatório das Metrópoles, apontou que 15 das 27 capitais brasileiras e o Distrito Federal não têm planos de ação climática. Manaus é uma delas. 

A reportagem procurou o secretário de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Mudança Climática de Manaus, Antônio Stroski, mas não houve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto para manifestações. Em maio, quando completou um ano do anúncio pelo prefeito David Almeida sobre a criação de um plano, o gestor afirmou para A CRÍTICA que a gestão corria para finalizar o documento. 

Ele afirmou que o plano terá ampla participação da sociedade na sua construção e será construído em parceria com universidades do Amazonas e com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). 

A reportagem também procurou a Associação Amazonense de Municípios (AAM), por meio do presidente Anderson Sousa, prefeito de Rio Preto da Eva, mas não houve retorno. O espaço igualmente continua aberto a manifestações. 

Plano estadual
O governo do Amazonas também  ainda não finalizou a elaboração do plano de ação climática, apesar de ter enfrentado desde a maior cheia já registrada, em 2021, e a maior seca da história neste ano.

A gestão estadual, assim como as prefeituras, também é cobrada pelo MPC-AM a criar um plano que preveja a redução da contribuição para a mudança do clima e a adaptação aos extremos climáticos. 

Um exemplo é um acordão do TCE-AM, de maio deste ano, que determinou ao Ipaam a cobrança do inventário de carbono das empresas no licenciamento ambiental e medidas de compensação pelos  gases do efeito estufa emitidos, já que há forte contribuição para a crise climática. 

O governo do Amazonas também ainda não finalizou a elaboração do plano de ação climática, apesar de ter enfrentado desde a maior cheia já registrada, em 2021, e a maior seca da história neste ano. (Junio Matos)

 Na semana passada, o secretário de meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Taveira, afirmou para A CRÍTICA que o estado aguarda a gestão federal finalizar a atualização do novo plano clima. O documento deve apresentar medidas para prevenir e lidar com a crise climática, e será uma revisão de outra versão já existente.

“A gente está aguardando o governo federal finalizar a instituição da política nacional para que a gente possa não ter o mesmo problema que tivemos no lançamento do plano de combate ao desmatamento e queimadas da Amazônia. Os estados se anteciparam, lançaram antes, por causa da demora do governo  federal, e quando a gestão federal lançou,os estados tiveram de adequar o que já estava feito, porque havia desalinhado”, afirmou.

Ele também acrescentou que o governo estadual tem um “plano operativo” tocado pela Defesa Civil, que prevê atuação frente a ocasiões de extremos climáticos, como fortes chuvas ou secas. “Está em construção agora e, a partir disso, o Estado terá todo o arcabouço legal para lidar com a crise climática”.

Embora aguarde as diretrizes federais, o estado já tem a Lei n.º 6.528/2023 aprovada, que estabelece as diretrizes gerais para elaboração de planos climáticos no Amazonas. O projeto foi proposto pelo deputado estadual Roberto Cidade (União), presidente da Assembleia Legislativa e aliado do governo estadual. 

Consequências
A falta de preparação das cidades para os extremos climáticos se refletiu em outro episódio, o das enchentes no Rio Grande do Sul, que terminaram com ao menos 183 vítimas. A capital Porto Alegre ficou dias embaixo d’água e teve até seu aeroporto interditado por cinco meses.

Nesta quinta-feira (14), após a tragédia, a prefeitura lançou na COP 29, em Baku, uma plataforma de monitoramento do clima na cidade. A ferramenta integra o Plano de Ação Climática da capital.

Ausências
O governador do Amazonas, Wilson Lima, optou por não participar do evento do clima. Nos bastidores, a avaliação foi de que o evento seria “mais técnico” e a prioridade deveria ser a COP 30, que acontece em Belém (PA), no próximo ano. O governo manteve o envio do secretário Eduardo Taveira, que já participou de outras COPs. 

A decisão pode estar relacionada a um “esvaziamento” da edição deste ano, que ficou marcada pela ausência de líderes mundiais, como o presidente Joe Biden, dos Estados Unidos, o chinês Xi Jinping e o brasileiro Lula da Silva, que sediará a próxima COP.

A prefeitura de Manaus também não enviou representantes ao evento. Para o Sim & Não, de A CRÍTICA, o secretário Antônio Stroski explicou que a agenda eleitoral deste ano se sobressaiu, mas que a gestão municipal estará presente na COP de Belém, em 2025.

O governador do Amazonas, Wilson Lima, optou por não participar do evento do clima. Nos bastidores, a avaliação foi de que o evento seria “mais técnico” e a prioridade deveria ser a COP 30, que acontece em Belém (PA), no próximo ano. (Junio Matos)

 Planos
Consultora sênior do Centro Brasil no Clima, Fernanda Westin diz que  um plano de adaptação climática deve avaliar as áreas e populações mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos.

“É preciso também definir objetivos e metas que pretende alcançar no curto e médio prazos, bem como listar prioridades conforme a urgência e os recursos disponíveis, além de definir estratégias de adaptação que podem reduzir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência às mudanças climáticas”, diz.

“Além disso, um plano de adaptação climática precisa definir as ações, com cronograma detalhado, responsabilidades atribuídas e prazos definidos; identificar fontes de recursos e fontes de financiamento necessários para as ações planejadas; estabelecer um sistema de monitoramento e avaliação dos resultados; buscar engajamento da comunidade na elaboração e implementação do plano, de forma democrática e que garanta que as necessidades e conhecimentos sejam considerados”, acrescenta.

Segundo a especialista, os planos  também  devem prever programas de educação ambiental e capacitação para o aumento da conscientização das comunidades, lideranças comunitárias, representantes governamentais, setores econômicos e demais stakeholders envolvidos nos planos climáticos. 

*O repórter que assina esta matéria viajou a Baku, Azerbaijão, a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)

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