Indígenas de Autazes relatam venda de terras à Potássio do Brasil em inspeção judicial

Equipe de inspeção composta pela juíza do caso ouviu indígenas da aldeia Soares no dia 29 de março

Waldick Júnior
online@acritica.com
11/05/2022 às 10:47.
Atualizado em 11/05/2022 às 10:47

(Foto: J.Rosha/Cimi Norte I)

Indígenas do povo Mura, de Autazes (AM), relataram a venda de terrenos à empresa Potássio do Brasil durante uma inspeção judicial realizada na aldeia Soares, no último dia 29 de março. O procedimento faz parte de um processo que corre na 1ª Vara da Justiça Federal do Amazonas desde 2016, ingressada pelo Ministério Público Federal (MPF), e que tem como objetivo principal garantir que o povo Mura decida sobre a exploração de potássio que atinge a região onde moram.

Um dos depoimentos foi coletado pelo MPF e está como anexo no relatório, o qual A CRÍTICA teve acesso. Nele, o indígena Jair dos Santos, de 83 anos, confirmou que vendeu seu terreno à empresa por R$ 110 mil há cinco anos. O relato dele foi gravado e transcrito.

Segundo o indígena idoso, primeiro apareceram três homens (Tom, Francisco e Wenderson), em dias diferentes, e todos lhe pediram para assinar um documento, afirmando estarem realizando uma pesquisa para a Potássio. Por último, apareceu um homem chamado Danilo que disse ser da mesma empresa e lhe perguntou quanto ele queria pelo terreno. Jair sugeriu R$ 200 mil, mas Danilo negociou por R$ 110 mil e conseguiu realizar a compra.

Consta no relatório da inspeção, a pedido do MPF, que “existem dezenas de terrenos/posses já comprados pela Potássio dos indígenas e ribeirinhos no local, contudo, não há registro de propriedade no cartório de imóveis de Autazes, ou seja, estão comprando posses tradicionais indígenas e ribeirinhas com pressão sobre os moradores”. Essa informação foi também confirmada pela Agente de Saúde Indígena (ASI), Lucilene Sanches, que atua na aldeia.

Um dos indígenas, Milton Ribeiro de Menezes, disse à equipe que já recebeu uma proposta de R$ 120 mil pelo terreno dele, sem dizer quando isso ocorreu. “Eles [a empresa] pressionaram várias vezes para querer furar aí também, eu faleique não. Ofereceram R$ 900 por mês”, disse o indígena.

“Eu fico preocupado [...] com isso, porque, como eu já falei, eles entram aí sem a minha autorização, sem trabalhar ainda, né. Imagine depois que eles vierem. Porque eu moro aqui nessa cabeceira. Estou eu e meus dois filhos, tenho um casal de filhos e a minha esposa, então eu fico preocupado com isso. De repente, eles podem até querer dizer assim: saia, vai embora, e aí, como é que eu vou?”, afirmou Milton durante a inspeção.

Ao final do procedimento, a juíza do caso considerou que as atividades vistas e relatadas na inspeção eram “anteriores ao processo judicial”, que iniciou em 2016. Além disso, ressaltou que a ação deve continuar a correr “a partir dos despachos e dos requerimentos” que serão feitos pelas partes do processo com base na inspeção.

Demarcação

O tuxaua da aldeia, Sérgio Freitas do Nascimento, chegou a ser questionado pela juíza sobre se havia o desejo de demarcar a terra Soares/Urucurituba. Ele disse que sim e em seguida mostrou uma série de documentos que mostram que o pedido já havia sido feito à Fundação Nacional do Índio (Funai) desde pelo menos 2003. Um deles, a informação técnica nº 36/2018, do órgão federal.

“O povo Mura da aldeia Soares segue firme na pretensão de demarcação e a área onde se pretende instalar o empreendimento da Potássio é território tradicional do povo Mura, incluso na reivindicação”, ressaltou o líder indígena, que também confirmou a presença de familiares há pelo menos um século na região. A informação também está no relatório agora anexado ao processo.

A nossa reportagem questionou a Funai em 5 de abril deste ano sobre em que fase está o pedido de demarcação da TI Soares/Urucurituba, mas até o momento não houve resposta. Segundo a assessoria do órgão, a demanda ainda não retornou do setor responsável. 

Defesa

Em nota para esta reportagem, a Potássio do Brasil defendeu que os depoimentos colhidos na inspeção judicial “podem não representar a vontade e nem a percepção da totalidade do Povo Mura, uma vez que os Mura da região de Autazes e Careiro da Várzea são compostos por 44 aldeias, que somam aproximadamente 12 mil indígenas”.

A empresa lembra que os indígenas estão em fase de processo de pré-consulta sobre se querem receber alguma proposta envolvendo o empreendimento, conforme determinação do Acordo entre a empresa e o Povo Mura na Justiça Federal. Destaca ainda que “na ocasião da Inspeção Judicial foi captado o depoimento de apenas três pessoas”.

Na nota, a Potássio também afirma que “sempre prezou pela transparência e lisura em suas ações” e ressalta uma fala da juíza Jaiza Maria Fraxe Pinto. “Destacada inclusive na fala da juíza na conclusão do relatório que “as atividades que nós vimos são anteriores ao processo”, ou seja, realizadas antes do início da Ação Civil Pública”. 

Veja a nota completa:

A Potássio do Brasil Ltda. informa que os depoimentos colhidos no ato da Inspeção Judicial podem não representar a vontade e nem a percepção da totalidade do Povo Mura, uma vez que os Mura da região de Autazes e Careiro da Várzea são compostos por 44 aldeias, que somam aproximadamente 12 mil indígenas, que, inclusive, durante a inspeção judicial passavam, e ainda passam, pelo processo de Consulta, conforme determinação do Acordo entre a empresa e o Povo Mura na Justiça Federal. Na ocasião da Inspeção Judicial foi captado o depoimento de apenas três pessoas.

Ao todo, além do ponto destacado acima, na visão da empresa, a Inspeção Judicial, ocorrida no dia 29 de março de 2022 e descrita no Relatório da Justiça Federal transcorreu dentro da normalidade e corroborou com o fato de que a empresa sempre prezou pela transparência e lisura em suas ações, desde 2008 quando chegou na região de Autazes. Destacada inclusive na fala da juíza na conclusão do relatório que “as atividades que nós vimos são anteriores ao processo”, ou seja, realizadas antes do início da Ação Civil Pública. A Potássio do Brasil reforça que sempre atuou dentro da lei e seguirá cumprindo seu dever de ser responsável em suas atividades socioeconômicas e ambientais.

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