meio ambiente

Chuva não levará rios a níveis normais em 2025

Região continuará sob influência dos extremos do clima, que pioram problemas de logística e afetam a qualidade de vida

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
31/12/2024 às 11:36.
Atualizado em 31/12/2024 às 12:29

Mesmo com início do período chuvoso na Amazônia, os rios não têm expectativa para atingirem os níveis normais observados no primeiro trimestre de cada ano (Fotos: Michael Dantas/AFP)

Após um ano que caminha para ser o mais quente da história e duas secas recordes na Amazônia, a região continuará vulnerável aos extremos climáticos em 2025. Para o primeiro trimestre, a previsão é de chuvas na média em grande parte do bioma, mas sem força suficiente para normalizar o nível dos rios.

O cenário preocupa, porque intensifica os problemas de logística da região, aumenta a potência das queimadas, põe em risco a fauna e a flora, e piora a qualidade de vida das populações urbanas e da floresta. Tudo isto no ano em que o Brasil sedia, em novembro, no Pará, a 30ª Edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. 

Segundo boletim produzido pelo Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), a expectativa para o primeiro trimestre de 2025 é de temperaturas próximas à média histórica em todos os estados da Amazônia Legal. A exceção é no sudeste do Mato Grosso, onde o calor deve superar a média histórica.

As chuvas devem ser mais intensas no Amapá, no norte do Pará e Maranhão, enquanto nas outras áreas da Amazônia Legal a precipitação deve ficar dentro do esperado. Porém, devido aos longos períodos de seca recentes, mesmo com o início das chuvas e os rios voltando a ter um comportamento mais estável, não se espera que eles atinjam os níveis normais para essa época do ano.

Recorde

O serviço Copernicus de Monitoramento Climático da União Europeia afirmou que 2024 tem grandes chances de se tornar o ano mais quente da história, superando 2023, que já havia registrado recordes de temperatura global.

“Ainda não se sabe exatamente o que causou as maiores temperaturas em 2023 e 2024, então não dá para afirmar categoricamente que continuará nesse nível, mais que 1,5ºC mais quente em 2025. Porém, se ficar assim no próximo ano e em 2026, aí já serão quatro anos nestas condições. A ciência certamente concluirá que atingimos os 1,5ºC de maior temperatura, sobre o que cientistas falavam lá atrás do qual não poderíamos passar”, afirma o climatologista Carlos Nobre, referência mundial em estudos sobre mudanças climáticas.

O Acordo de Paris, firmado em 2015 por 196 países, visa combater as mudanças climáticas com o objetivo de limitar o aquecimento global a bem abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, preferencialmente a 1,5°C. 

Para alcançar essa meta, os países comprometeram-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e a adotar medidas de adaptação e financiamento para mitigar os impactos climáticos. A meta de 1,5°C busca evitar os efeitos mais catastróficos do aquecimento global, como eventos climáticos extremos e o aumento do nível do mar.

No entanto, quase dez anos após a assinatura do acordo, hoje o país já enfrenta uma maior frequência dos extremos do clima e o fim dos combustíveis fósseis ainda parece um objetivo difícil de alcançar.

“O ano de 2024 quase certamente será o de maior emissões da história, após isso já ter sido alcançado em 2023. As instabilidades das guerras da Rússia na Ucrânia, da guerra de Israel na faixa de Gaza, no Líbano, isso tudo está gerando uma instabilidade política global e é como se muitos países não colocassem mais combater a mudança climática como maior desafio, mas sim a guerra”, avalia ele.

Imprevisível

Se a expectativa é de um ano com mais extremos do clima, outro fator que deve deixar todos alertas é a imprevisibilidade, uma característica deste novo momento mundial. É o que explica o doutor em física atmosférica (USP) Paulo Artaxo, um dos principais pesquisadores brasileiros sobre mudança do clima.

“O que a gente conhecia há cinco, dez anos, de previsão climática, já não funciona tão bem, porque nós alteramos o clima em um tal nível que mesmo a previsibilidade de curto e médio prazo pode ficar comprometida. Um exemplo disso é que o fenômeno La Niña deveria ter ocorrido em seguida ao El Niño, mas não veio”, comenta.

O La Niña, fenômeno caracterizado pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico, altera o regime de chuvas e temperaturas. Na região amazônica, um de seus principais efeitos é o aumento das precipitações, o que poderia aliviar o calor extremo e ajudar na recuperação dos níveis dos rios - a depender da intensidade e duração.

Até agora, não há registros de La Niña. Segundo o Censipam, uma análise do NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration ) aponta uma probabilidade de 72% de que o fenômeno ocorra entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025. No entanto, essa chance tende a diminuir com o tempo, o que sugere uma transição para condições neutras no trimestre de março a maio de 2025.

“O que sabemos com certeza é que o clima será marcado por mais eventos extremos, como grandes inundações e secas severas, e esses fenômenos serão amplificados na Amazônia. Ou seja, teremos mais climas extremos, o que exige que a sociedade brasileira aprenda a lidar melhor com esses eventos. Por exemplo, se houver uma nova seca intensa na Amazônia daqui a 1, 2, 3 ou 10 anos, não podemos ser pegos de surpresa; devemos estar preparados para enfrentar esse momento”, aconselha Artaxo.

Solução passa pelo fim do uso de combustíveis fósseis

Solução passa pelo fim do uso de combustíveis fósseis

No próximo ano, o Brasil sediará a 30ª edição da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas. O evento é tratado com forte expectativa, porque marcará os dez anos do Acordo de Paris. São esperados balanços das ações realizadas pelos países, a revisão das metas internas das nações (chamadas ‘NDCs’) e novas decisões para barrar a mudança climática e em busca da adaptação aos extremos.

A estimativa é que ao menos 70 mil pessoas, dentre chefes de Estado, diplomatas, ativistas climáticos e imprensa estejam na COP 30, que ocorrerá em novembro, em Belém (PA). 

O evento é precedido pela edição 29, do Azerbaijão, que encerrou com uma meta de financiamento climático de US$ 300 bilhões anuais para os países emergentes, quatro vezes menos que o reivindicado, de US$ 1,3 trilhão anual. 

O tema dos combustíveis fósseis, crucial para mitigar os impactos extremos das mudanças climáticas, mas considerado espinhoso pelos negociadores, também deve estar presente na COP 30. O sucesso do evento, segundo especialistas, depende de avanços significativos nesta temática.

“O cenário inicial não é muito positivo, porque as companhias de petróleo dominam este setor governamental na maior parte dos países. A indústria do petróleo está, no fundo, condenando o planeta a um aumento de temperatura na ordem de 3ºC a 3,5ºC. Isso é um problema sério e não há, na minha opinião, nenhuma maneira de sair dessa questão. Na COP 29, havia mais de 1,7 mil lobistas do petróleo e eles vão estar, certamente, no Brasil”, pontua.

Embora vá ocorrer em Belém (PA), na Amazônia, o pesquisador Paulo Artaxo ressalta que o evento é de escala mundial, portanto, deve ser visto como um espaço para pensar soluções de nível global.

“É importante fazer esta definição para que não se coloque expectativas que não podem ser realizadas. Questões particulares de comunidades isoladas ou de indígenas têm de ser resolvidas por nós mesmos”, diz.
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