ESTIAGEM SEVERA

Águas rasas, altos riscos: os desafios da navegação na Amazônia seca

A reportagem de acritica.com embarcou em uma viagem de três dias com a Marinha do Brasil para mostrar os desafios da navegação e a resiliência dos ribeirinhos nos rios Amazonas e Madeira durante a estiagem

Amariles Gama
cidades@acritica.com
21/09/2024 às 12:37.
Atualizado em 21/09/2024 às 12:41

Estiagem severa faz a população ribeirinha caminhar e navegar longas distâncias em busca de água potável. (Foto: Junio Matos/ A Crítica)

A estiagem deste ano, mais uma vez, traz à tona um cenário desafiador para a navegação, o meio de transporte mais utilizado no Amazonas. Para entender melhor as condições de navegabilidade neste período, a reportagem de acritica.com embarcou em uma viagem de três dias com a Marinha do Brasil, que revelou não apenas os desafios da navegação, mas também a resiliência das populações ribeirinhas nos rios Amazonas e Madeira, as mais afetadas pela estiagem.

A jornada a bordo do Navio Rio Branco teve início na capital amazonense, nas primeiras horas da última quarta-feira (18). A embarcação é encarregada, entre outras finalidades, de mapear pontos críticos que apresentam riscos aos navegantes, como bancos de areia e pedrais, sedimentos muitas vezes traiçoeiros.

O diretor do Centro de Hidrografia e Navegação do Noroeste (CHN-9), capitão de fragata Jorge Luiz, destacou que, no ano passado, o navio foi responsável por mapear 33 pontos críticos no rio Madeira, dois no Amazonas e dois no Solimões, sendo o principal ator na busca de encontrar o caminho para a segurança dos navegantes. 

Capitão de fragata Jorge Luiz, do Centro de Hidrografia e Navegação do Noroeste. (Foto: Junio Matos/ A Crítica)

Este ano, mantiveram-se os mesmos pontos críticos nos rios Madeira e Amazonas, mas o Solimões avançou para três trechos considerados perigosos. Além disso, as medições previstas para outubro do ano passado já foram encontradas em setembro deste ano, mostrando que as águas estão mais rasas, e o objetivo da Marinha é garantir que rotas vitais permaneçam seguras, tanto para o transporte de carga quanto para o deslocamento das populações ribeirinhas que dependem dos rios.

“Quando a gente fala em trechos críticos de segurança da navegação, em geral, não quer dizer que a embarcação não consiga passar; o problema, a dificuldade, é encontrar o caminho seguro para passar”, disse o capitão, ao destacar que os rios monitorados são por onde chegam os principais insumos para o dia a dia da população.

A magnitude da estiagem se tornava evidente à medida que o navio avançava pelo rio. A 25 quilômetros de Manaus, foi possível encontrar o primeiro banco de areia, que este ano aflorou de forma mais evidente, sendo possível caminhar pela praia. 

(Foto: Junio Matos/ A Crítica)

Mais à frente, na região do Tabocal,  a equipe de sondagem encontrou áreas com profundidade de apenas dois metros. Passando do Tabocal, foi possível avistar mais um banco de areia na enseada do rio Madeira, que é considerado o trecho mais crítico para a segurança da navegação no rio Amazonas.

Tecnologia no mapeamento de profundidades

O capitão de corveta Levi Bittencourt, comandante do Navio Rio Branco, mostrou que nem sempre é possível detectar um banco de areia a olho nu. 

“A gente consegue medir a profundidade por meio do ecobatímetro, um equipamento que faz essa medição, e associamos também essa profundidade a uma posição geográfica, ou seja, uma latitude e uma longitude. Então, temos sempre a profundidade associada à posição... Essa profundidade de dois metros, como reparamos na imagem, estamos exatamente em cima de um banco de areia. Então, neste trecho aqui, não é recomendável a navegação”, comentou

Capitão de corveta Levi Bittencourt (dir.) comentou sobre a detecção de bancos de areia a olho nu. (Foto: Junio Matos/ A Crítica)

Navegando pelos grandes rios Amazônicos

A bordo do Navio Rio Branco, começamos descendo o rio Negro, passando pelo Solimões, onde os dois se tornam o rio Amazonas, até navegarmos para a enseada do rio Madeira, que é o ponto em que o Madeira encontra o Amazonas. E, ainda na região do Tabocal, logo nas primeiras horas do segundo dia de viagem, o pescador Paulo Freitas, de 54 anos, acompanhado de seu filho, já lançava a rede para pescar. 

Pescado ainda sofre com os efeitos da seca de 2023. (Foto: Junio Matos/ A Crítica)

Há 15 anos morando na região, ele conta que, no período da seca, a tendência é o peixe se aglomerar, o que acaba sendo bom para ele, mas ressalta que outras comunidades próximas ficam completamente isoladas, e os peixes que não conseguem migrar para o rio acabam morrendo dentro dos lagos.

“O impacto é muito grande, porque os peixes no lago morrem todos. Os que conseguem escapar vêm pro rio, e os que não conseguem escapar morrem todos. Você entra num lago desses, nessa época, e dá dó de ver a quantidade de peixe tudo morto. Então, o impacto para o meio ambiente é muito grande, e custa se recuperar. Por exemplo, com a seca do ano passado, este ano já teve menos peixe, e se a seca deste ano for como a do ano passado, a tendência é que no ano que vem tenha menos peixe ainda”, relatou o pescador.

Osbtáculos naturais à navegação

A cada milha navegada, era possível identificar alguns obstáculos naturais, como pedras e bancos de areia, que podem mudar de posição com o tempo, tornando-se imprevisíveis e perigosos para a navegação. Na comunidade São Francisco, o condutor de embarcação escolar Edileldo Sebastião conta que, no ano passado, presenciou o encalhe de uma embarcação que se chocou contra uma grande pedra, e, segundo ele, o barulho estrondoso pôde ser ouvido de longe.

“Ele [um navio mercante] passou muito próximo da beira, ia fora do canal, quando bateu na pedra. Um barulho muito forte, e aí ele saiu tirando pro meio do rio, mas já tinha aberto um buraco no casco dele. Ele foi inclinado um pouco pro lado, que partiu com o peso dele. E aí passou mais de uma semana parado aí, em frente ao assentamento de Nazaré”, relembrou Elieldo.

Quanto mais o rio seca, mais perigoso fica para a navegação. (Foto: Junio Matos/ A crítica)

A pedra em questão já era mapeada pela Marinha antes do acidente e, segundo o encarregado da Divisão de Hidroceanografia do Navio Rio Branco, primeiro-tenente Eduardo Pelisson, ela tem uma dimensão de 393 metros de comprimento e 152 de largura.

“No caso de um banco de areia, a situação é até um pouco mais tranquila, digamos assim. Você vai encalhar, pode atrapalhar o fluxo de embarcações no local, mas, tratando-se de uma pedra dessa dimensão, se uma embarcação colidir com ela, vai causar um rasgo e pode provocar naufrágio, perdas de vidas humanas e muitos danos ambientais, no caso de vazamento de óleo e outros poluentes. E, como se já não bastasse, a embarcação naufragada ou encalhada vai impossibilitar o tráfego de outras embarcações naquele canal, podendo causar o desabastecimento nas cidades próximas”, explicou Pelisson.

Nível do rio muito baixo é perigo para a navegação. (Foto: Junio Matos / A Crítica)

 Impacto da seca nas comunidades ribeirinhas 

Além dos desafios de navegabilidade e dos impactos econômicos causados em consequência de acidentes como esse, a seca também transforma a vida dos moradores das margens destes rios. Um relato mais detalhado sobre as dificuldades de logística, infraestrutura, acesso à saúde e educação dessas populações estará na segunda reportagem sobre essa viagem, que irá te transportar para a realidade da navegação em tempos de seca na Amazônia.

 

(Foto: Junio Matos/ A Crítica)

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