Entrevista

‘Redes sociais precisam ser responsabilizadas’, diz Yann Evanovick

Amazonense à frente da Coordenadoria de Políticas Públicas para a Juventude do Ministério da Educação detalha como a pasta tem atuado para prevenir novos ataques a escolas públicas e privadas

Waldick Junior
waldick@acritica.com
18/11/2023 às 13:18.
Atualizado em 18/11/2023 às 13:18

Yann Evanovick (Divulgação)

Coordenador-geral de Políticas Públicas para a Juventude do Ministério da Educação (MEC), o amazonense Yann Evanovick defende que as redes sociais precisam ser responsabilizadas por crimes que ocorrem por meio de suas plataformas, incluindo aqueles que têm por consequência ataques a escolas pelo país. 

Ele foi o coordenador-executivo do grupo interministerial criado pelo governo federal para prevenção e enfrentamento à violência em unidades de ensino brasileiras, que entregou seu relatório em outubro.

Além de trazer dados, como a catalogação de 37 casos de ataques a escolas entre 2022 e outubro deste ano, o documento também propõe 13 medidas emergenciais para lidar com o fenômeno. Além da responsabilização das redes sociais, estão inclusas ações para promoção da saúde mental e a atuação contra subcomunidades de ódio. Leia a entrevista a seguir. 

O Brasil chegou ao número de nove ataques em escolas somente neste ano, um recorde. A quê o senhor atribui esse aumento e quais medidas o MEC tem tomado para impedir esses episódios cada vez mais comuns?

Coordeno, no MEC, as políticas nacionais para a juventude e fui alçado à condição de coordenador-executivo do grupo de trabalho de prevenção e enfrentamento à violência nas escolas. Logo no início do ano, quando aconteceram os primeiros ataques, de pronto, nós procuramos o ministro da Educação, Camilo Santana, para apresentar a proposta de construção de um GT interministerial para agir diante da situação. O presidente Lula, a quem cabe criar esse GT interministerial, de imediato instituiu esse grupo, que findou seus trabalhos agora, na primeira semana de outubro. 

Esse grupo se debruçou em procurar compreender o fenômeno da violência no ambiente escolar e faz alguns apontamentos importantes, mas no curso dessa discussão produzida pelo grupo de trabalho, que é um dos GTs que temos aqui, porque constituímos um grupo de especialistas no MEC, o grupo interministerial, mas temos vários GTs trabalhando e contribuindo com subsídios para a política, a estratégia nacional de prevenção à violência nas escolas, que nós pretendemos apresentar ao presidente Lula até dezembro. 

No curso disso, primeiro o MEC produziu uma cartilha que chamamos de 'recomendações para o ambiente escolar seguro'. Essas orientações, que têm caráter de protocolo, foram a primeira medida e nos custou ao menos dois finais de semana, dada a sua sensibilidade. Costumo dizer que a violência não é um tema novo para o Brasil, nós fomos um dos últimos países a abolir a escravidão. 

Todavia, a escola sempre foi preservada. Sabemos que há vários tipos de violência na escola, o bullying, o racismo, a homofobia, violência física, mas nada enquanto ações organizadas com o sentimento de gerar pânico e terror nas escolas. Então, isso é um fenômeno novo. Nós construímos recomendações para orientar nossas redes estaduais e municipais, mas também disponibilizamos esse material para as escolas particulares. Esse é um documento importante, porque é o primeiro documento brasileiro que incide de forma verticalizada nessa temática para as escolas brasileiras. Essa foi a primeira medida, porque as escolas não sabiam lidar com essa violência.

Quais foram essas orientações repassadas pelo MEC aos governos estaduais e municipais e como a gestão federal acompanha para saber se essas medidas, que têm caráter de orientação, estão sendo implementadas?

Primeiro tivemos a produção dessa cartilha de recomendações para o ambiente escolar seguro, que foi estratégico, porque, no momento em que aconteceram os ataques, nossas redes estaduais, municipais e escolas particulares não sabiam, não tinha um documento indutor de como lidar diante desse fenômeno. Então, isso foi uma questão. A outra foi que disponibilizamos um curso, via nossa plataforma AVAMEC. Em um primeiro momento, 5 mil pessoas já foram formadas. Além disso, o ministro Camilo Santana determinou a abertura de mais 95 mil vagas para as pessoas, professores e gestores, que queiram ter acesso à formação para implementação dessas recomendações, ou seja, tem uma sequência. Não adiantar você mandar um documento e não preparar as pessoas tecnicamente para implementar essas recomendações. 

Depois, liberamos R$ 3,1 bilhões dos nossos programas PPDE [Programa Dinheiro Direto na Escola] e PAR [Plano de Ações Articuladas]. Esses recursos já estavam programados, entrariam no primeiro e no segundo semestre. No entanto, a finalidade deles era outra. Então, inserimos, a partir de uma resolução, novos itens, como equipamentos, contratação de profissionais, para que as escolas que já recebem esse recurso pudessem utilizá-lo com essa finalidade. Ele seria em duas parcelas, mas tomamos a decisão de antecipá-lo todo para o primeiro semestre. 

O GT citado pelo senhor propôs 13 medidas emergenciais para combater a violência nas escolas. Uma delas é atuar para desmembrar e evitar a formação de 'subcomunidades de ódio e extremismo'. Dá para citar exemplos ou características desses grupos e como o governo pretende atuar contra o surgimento de novos?

Eu não posso, por uma questão já de protocolo, nominar grupos de ódio. Isso porque, um dos elementos já comprovados é que, esses grupos buscam a notoriedade. Por isso, a primeira medida que tomamos foi estabelecer protocolos, incluindo com meios de comunicação, para não divulgar cenas de extrema violência ou nomes dos autores. Porém, posso dizer que parte deles são grupos neofascistas, são grupos que praticam estupro virtual, grupos que vão cooptar jovens, meninos e meninas, em especial a partir dessas subcomunidades de ódio no Twitter, no Telegram, Discord, e outras plataformas. Eles atraem essas pessoas e depois promovem chantagem, como a não divulgação de imagens dessas pessoas com a alimentação, portanto, com o envio de mais imagens. Isso é o estupro virtual. São grupos que têm uma perspectiva neofascista, grupos voltados à realização de crimes, como assassinatos, automutilação. São essas as características.
 
E como o governo vai atuar para evitar essas células extremistas?

O Ministério da Justiça agiu, porque muitos desses grupos não estão só no submundo. Alguns desses emergiram e estão fazendo cooptação abertamente. Então, a partir disso, dessas malhas que abriram nas redes de contato, fez com que o ministério já tenha conseguido agir. Alguns desses já foram presos, outros chamados a depor e outros tendo esses grupos, a sua estrutura fundamental sendo derrubada, incluindo a perda de imagens, vídeos.
 
O senhor citou as redes sociais e uma das medidas propostas pelo GT é a responsabilização das plataformas por esses crimes praticados pela internet. O que já se tem de concreto sobre isso?

Existem legislações que estão no parlamento para aproximar as plataformas e elas terem outro tipo de responsabilidade nesse processo. Em um primeiro momento, elas ajudaram muito. Agora precisamos normatizar isso por força de lei. Não dá para ser uma ação voluntária, tem que ser pautada por um regramento claro. Então, tem legislações propostas para que as redes sociais tenham outros tipos de responsabilidade com as informações e com seu público. 

Mas a secretária ao qual o senhor é vinculado e o Ministério da Educação já têm uma posição fechada sobre isso, para além das propostas do Legislativo? 

Nós acreditamos que as plataformas precisam ter responsabilidade com o conteúdo que ali está e de como se comunica esse conteúdo. É uma posição clara. As plataformas precisam ter ainda mais responsabilidade com o que acontece nas suas redes. Agora tem várias legislações que estão tramitando. Eu não posso eleger só uma. 

Dados do Painel da Ouvidoria Nacional do Ministério dos Direitos Humanos mostram que o Amazonas é o 12º estado com mais casos de violência nas escolas. Das 9.530 denúncias, mais de 1,2 mil dizem respeito a casos em que professores foram vítimas. Como proteger os docentes dessas violências que parecem cada vez mais comuns?

Essa é uma preocupação nossa também porque, veja, temos um tipo de violência que acontece dentro da escola. Seja de professor para com estudante, de estudante para com o professor ou trabalhadores em educação. E nós temos um tipo de violência que vem de fora para dentro. Estou falando daquele ex-aluno que decidiu, em algum momento, produzir um ataque à escola, de alguém que não conhece a comunidade escolar, mas decidiu atacar aquela escola. De alguém que em determinado momento da vida achou que aquele ambiente gera algum tipo de incômodo a ele e decidiu atacar. Para além disso, precisamos tratar da violência ordinária, também, a que ocorre no dia a dia da escola. É preciso construir um ambiente educacional mais saudável. Para isso, algumas medidas têm de ser tomadas. Gestão democrática, acompanhamento psicossocial nas escolas, portanto, implementação da legislação que já aponta a necessidade de ter psicólogos e assistentes sociais, atuando na comunidade escolar, uma retomada de noção de pertencimento, de que a pessoa não é algo apartado da escola, mas faz parte da instituição. 

De 2022 até outubro deste ano, tivemos 37 ataques a escolas. Nós só não vamos registrar ataques a escolas em 2020, devido à covid-19. Fora isso, todos os anos teve, praticamente. Resultaram, de 2002 até outubro, em 164 vitimas, sendo 49 casos fatais e 115 feridos, incluindo professores, trabalhadores em educação e estudantes. Outro dado importante é que, destes 37 ataques, em 16 deles foram utilizadas armas de fogo. São dados que estão neste relatório produzido pelo GT. 

O senhor citou a atuação de psicólogos nas escolas e a promoção da saúde mental é outra medida proposta pelo GT para coibir essas violências. Qual é o plano?

Cada vez mais os trabalhadores em educação e estudantes vivem um processo de adoecimento mental. Em muitos desses, não tendo as mesmas condições, seja de procurar um psicólogo ou outro profissional. Por isso, se faz tão necessária a regulamentação da lei que estabelece a necessidade de acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais junto às comunidades escolares. Aqui é importante fazer um recorte. Esses profissionais não vão para 'clinicar', no caso dos psicólogos, mas sim para cumprir um papel de orientação. A saúde mental, eu não tenho dúvidas, é parte essencial para vencermos essa batalha.

Assuntos
Compartilhar
Sobre o Portal A Crítica
No Portal A Crítica, você encontra as últimas notícias do Amazonas, colunistas exclusivos, esportes, entretenimento, interior, economia, política, cultura e mais.
Portal A Crítica - Empresa de Jornais Calderaro LTDA.© Copyright 2023Todos direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por