OPINIÃO

Falta a tinta da alma de Manaus

A cidade tem sido vítima de um modo de olhar que asfixia o potencial oferecido pela natureza para esse lugar

Por Ivânia Vieira
02/02/2023 às 10:37.
Atualizado em 02/02/2023 às 10:37

(Foto: Arquivo A Crítica)

A Manaus de cara nova ressente-se de uma ampla ação alimentada pela vontade política de encontrar a alma manauara. Encontrando-a espalhar esse jeito de ser, único, por cada pedacinho da cidade, além dela.

Se a tinta supostamente oferece ares de cara nova à cidade, falta tratar da alma ferida por omissões seguidas, desvio de conduta de representantes dos poderes; implantação de projetos grotescos nascidos, na maioria deles, de uma ideia arquitetônica comprometida a atender, primeiro, os desejos de uma elite estreita e racista; da marca de sonegação dos direitos humanos; do privilegiar restrição e dificultar o acolhimento; de sufocar os jovens e as mulheres; de ignorar ou aceitar desvalorizando as culturas indígenas, um dos mais importantes legados manauaras.

A cara da cidade se tornará saudável e bonita como resultado de bons e inteligentes planos, capazes de superar um tipo de posicionamento administrativo comprometido principalmente a beneficiar determinados grupos dos contemplados. Os eleitos da gestão passam a acessar fatias da verba pública e agir em nome da garantia dos seus ganhos e da manutenção da rede de poder ramificada por diversos segmentos – partidos políticos, parlamentares, empresários, religiosos, parentes e amigos e seus subgrupos.

Iniciativas elaboradas por equipes técnicas competentes que tenham o estudo da cidade como referência são colocadas em segundo plano. Manaus tem sido vítima dos desacertos administrativos, da falta de empatia de administradores para com a capital, de um modo de olhar que asfixia o potencial oferecido pela natureza para esse lugar.

Li dados de uma pesquisa sobre as capitais mais rudes do Brasil e, nela, Manaus aparece em sexto lugar numa lista de 15. Embora esse tipo de estudo abrigue outros interesses e se faça sobre tema complexo que pede arranjos metodológicos bem definidos e aprofundados, algum dado da sondagem pode nos servir para enfrentar o descaso com que a cidade é tratada.

Há um posicionamento, casado, em vigor neste município que tenta arrancar gradativamente nossa autoestima, nossa dignidade, nossa cidade e nós na cidade, banhada por esse rio espetacular chamado rio Negro; berço de igarapés, a maioria deles destruída por esse jeito de cuidar da cidade; por pequenas florestas onde outras espécies tentam resistir à fúria humana.       

A alma manauara é linda, rica, feminista, poética e multicultural. Revela-se nos corpos de cores diferentes, nos temperos e maneiras de fazer alimentos, no pegar as mãos, no andar junto, no gostar de sorrir e de dançar. É fraternal e tem firmeza. É Manauara!

Falta a tinta da alma, aquela que nos identifica e nos reúne orgulhosamente por sermos Manaus, por termos uma história. Que na defesa dessa cidade possamos nos encontrar e espalhar a tinta da nossa cara no coração e no corpo todo da cidade, uma tinta que a chuva não apaga.    

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