Vários fatores

Violência doméstica: o desafio da rede de apoio

Apesar do aumento de denúncias, vítimas reatando o relacionamento com agressores devido ao julgamento de familiares e sociedade

Natasha Pinto
online@acritica.com
15/06/2024 às 09:52.
Atualizado em 15/06/2024 às 09:52

Titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher, área Centro-Sul, delegada Patrícia Leão (Foto: Daniel Brandão/A Crítica)

Durante essa semana, vários casos de violência doméstica foram noticiados na imprensa amazonense, mas um caso em particular, chamou mais a atenção: a ocorrência de violência doméstica no Centro de Manaus que resultou na morte de um policial militar e um militar do Exército Brasileiro.

Posteriormente foi constatado que a companheira do militar EB havia reatado o relacionamento mesmo já tendo denunciado o agressor na Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM). 

Mas o que leva essas vítimas a acabarem voltando para seus agressores? A resposta é preocupante: a falta de apoio e o julgamento de familiares e da sociedade.

Segundo a delegada Patrícia Leão, titular da DECCM Centro-Sul, apesar do crescente aumento do número de denúncias no Amazonas por lesão corporal, que subiu de 1357 para 1454, no período de janeiro a abril de 2023 e 2024, conforme dados mais recentes da Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), a delegacia enfrenta a dificuldade de prosseguir com o processo e até manter as vítimas longe dos agressores, devido a fatores como dependência financeira, apego emocional e religioso, além de ameaças.

"Os agressores acabam ameaçando ficar com a guarda dos filhos para que elas acabem voltando. Tem a questão emocional, que eles acabam falando que a vítima não vai conseguir encontrar ninguém melhor que ele, que ele vai mudar e por conta da pressão familiar e até mesmo das igrejas, que também são outros fatores, de que ele é o pai dos filhos, que ela é a responsável pelo lar, influenciam que essas vítimas continuem nesse local de violência", explicou a delegada.

Ainda conforme a delegada, as vítimas acabam se sentido culpadas porque acabam sendo julgadas pela família e comunidade, que a colocam como a errada e causadora do crime, afetando principalmente o psicológico destas mulheres. "Isso mostra o quanto o machismo estrutural, influência nos crimes contra as mulheres", disse a delegada Leão.

DESAMPARO FAMILIAR

Uma das primeiras pessoas que confortam a mulher vítima de violência doméstica, é a psicóloga do Sistema de Apoio Emergencial à Mulher (Sapem), Beatriz Silveira, que revelou que geralmente, a mulher acaba voltando para o ambiente violento por não ter amparo da família e de amigos, seja emocionalmente ou até mesmo financeiro.

"Meu trabalho é mostrar que aqui, ela tem um apoio, que geralmente ela poderia encontrar com a família e amigos, mas que, ao denunciar a violência doméstica, ela caba sendo desamparada por eles, chegando ao ponto de se sentir, como elas dizem: 'sem rumo'. Ninguém aparece oferecendo um colo, um lar temporário para ela e os filhos, então ela só vê como alternativa, retornar para o convívio do agressor, para que ela se sinta aceita novamente na sociedade", exemplificou a psicóloga.

Profissionais que atuam no Sistema de Apoio Emergencial à Mulher. (Foto: Daniel Brandão/A Crítica)

 O abalo no psicológico por falta dessa rede de apoio da própria família e também da sociedade afeta principalmente o rumo jurídico do caso. Além do desamparo, as ameaças de perder a guarda dos filhos, quando há no relacionamento, também afeta o psicológico destas mulheres, mas conforme a advogada Thays Sá, do Sapem, nada disso é levado em conta na hora do processo de guarda das crianças.

"A mulher está tão fragilizada e desamparada, que ela acredita em tudo que o agressor fala. Elas acham que a questão financeira influencia no processo, o que não. O que é valiado é o cuidado e o zelo com a criança e são feitas garantias que o agressor, pague a pensão nesse período, além da medida protetiva. A medida protetiva mantém o agressor distante, mas não o impede de pagar a pensão", esclareceu.

MAS O QUE FAZER PARA MELHORAR?

Outra resposta simples: ter empatia pelas vítimas e respeito pelas mulheres. Todas as especialistas salientaram esses dois pontos quando perguntadas sobre o que poderíamos fazer como sociedade para reverter essa triste realidade, como também não cultura do chamado "julgamento virtual" em comentários nas redes sociais.

Ademais, a advogada, fundadora e presidente do Instituto As Manas, Amanda Pinheiro, também acredita que quanto mais debates sobre o tema, palestras nas escolas, faculdades, igrejas e centros de fraternidade, melhor e necessário será para reeducação da sociedade. 

"As mulheres ainda são educadas para serem mães e esposas, não sendo incentivadas a avançarem na educação e formação, construir carreira profissional, produção científica, ocupar espaços de poder e decisão. A educação machista é reforçada em casa, que é nossa primeira escola. O menino além de absorver também passa a reproduzir comportamentos machistas", acrescentou a presidente, ao se referir na educação de ambos os sexos.

Pinheiro também exemplificou que são nessas palestras ministradas pelo Instituto em escolas, que muito jovens acabam reconhecendo comportamentos violentos que possuem com as irmãs e até mesmo as mães, sem nem saberem que isso é configurado como crime.

"Tudo vai melhorar quando todos nós aprendermos sobre o respeito mútuo, o limite da liberdade de expressão, o direito de cada indivíduo de ocupar seu espaço na sociedade em liberdade sem ferir o direito alheio", finalizou.
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