Amazônia

Rodovia BR-319 volta a ser prioridade em meio a divergências

Ministério dos Transportes incluiu a rodovia no plano de 100 dias da pasta. Licenciamento está entre as prioridades do Governo Lula

Waldick Júnior
waldick@acritica.com
04/02/2023 às 09:31.
Atualizado em 05/02/2023 às 10:41

(Foto: Arquivo A CRÍTICA)

Nesta semana, o governo federal incluiu a revitalização da BR-319 (Manaus – Porto velho) nas prioridades dos primeiros 100 dias do Ministério dos Transportes. O ato levantou uma nova discussão sobre a rodovia, que divide opiniões entre aqueles que a defendem como uma importante ligação do Amazonas com o país pela via terrestre e os que apontam os danos socioambientais à Amazônia, previstos com a obra.

Durante sessão na Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE-AM), na quinta-feira (2), o governador Wilson Lima (UB) disse que dialogará com o governo federal para a conclusão da obra.

"Essa é uma briga nossa, do povo do Amazonas, não de agora, mas de mais de 20 anos que a gente luta e mais uma vez vamos continuar nessas tratativas para que aquele trecho do meio possa ser pavimentado", destacou Wilson Lima.

Para A CRÍTICA, o Ministério dos Transportes confirmou que a rodovia está inclusa nas prioridades dos primeiros 100 dias de trabalho. Segundo a pasta, o empreendimento é considerado “vital”. 

“A BR-319 será contemplada com a elaboração dos projetos básico e executivo de engenharia; execução de todas as etapas e ações necessárias, bem como cumprimento das obrigações e condicionantes, requeridas no processo de licenciamento ambiental”, diz o Ministério.

Ainda segundo a pasta, a rodovia receberá “obras de implantação dos portais terrestres de fiscalização integrada nº 3 e 6. Esses portais serão instalados, respectivamente, no entroncamento da BR-319/230 com Humaitá (AM) e da ligação da 319 com o município de Manaquiri (AM)”.

Discurso

Enquanto candidato, Luiz Inário Lula da Silva (PT) defendeu que a rodovia é viável com o respeito às exigências ambientais.

“Nós não queremos transformar o estado do Amazonas num santuário da humanidade. Moram milhões de pessoas no estado do Amazonas. Nós temos que dar a essa gente o direito de civilidade, o direito de viver bem, o direito de ir e vir”, afirmou.
A vontade do governo Lula de revitalizar a rodovia é compartilhada pelo governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que prometeu asfaltar a BR-319 quando veio a Manaus – o que não aconteceu. Apesar de estar apenas ‘no barro’ em centenas de quilômetros, a estrada  ainda é utilizada por caminhões, ônibus e carros particulares.

Passado

“A BR-319 faz parte das obras da Ditadura Militar realizadas sob o pretexto de ‘integrar para não entregar’ a Amazônia brasileira”, explica a diretora-executiva do Observatório da BR-319, Fernanda Meirelles. O coletivo divulga informações sobre a área de influência da estrada.

Ela ressalta que a obra iniciada nos anos 70 foi realizada sem o licenciamento ambiental, inexistente naquela época.

“A construção causou uma série de violações de direitos humanos e impactos ambientais. Todos os prejuízos acarretados por isso reverberam até hoje na área de influência da rodovia”, comenta Fernanda.

Presente

Atualmente, a estrada está dividida em quatro trechos (A, B, C e do meio). Cada segmento tem suas especificidades, mas o chamado ‘trecho do meio’ é considerado o mais degradado.

Antes da inclusão da rodovia no plano do governo Lula, o fato mais recente havia sido a concessão, pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), e posterior suspensão pela Justiça, da licença de instalação que permitia obras no trecho C.

Outro acontecimento foi a concessão de licença prévia para o trecho do meio. O documento foi emitido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em julho do ano passado, sob críticas de ambientalistas.

Etapas

“Atualmente, o trecho do meio ainda está na fase da licença prévia, mas que ainda deve cumprir condicionantes exigidas no documento”, afirma a diretora-executiva do Observatório da BR-319.

De acordo com ela, o governo federal vai precisar lidar com outras questões que envolvem a obra, como a necessidade de realizar consultas livres, prévias e informadas aos indígenas afetados, como manda a Convenção Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

“É preciso que as populações mais vulneráveis e impactadas por um empreendimento como esse, que passa na região em que vivem mais de 18 povos indígenas e diversas comunidades tradicionais, sejam ouvidos e consultados de forma justa e culturalmente adequada”, defende ela.

Defensores apontam vantagens

Atuante em favor da BR-319 há 15 anos, André Marsílio  aprova o plano do Ministério dos Transportes de criar dois portões em trechos da BR-319. 

“Sobre a questão do desmatamento, o processo passou por um estudo de impacto ambiental. Esse estudo garante a segurança e preservação. Inclusive, no plano do governo, vão criar dois portais para ser guardiões da entrada e saída de veículos, para que possa se ter controle, por exemplo, de saída de madeira”, comenta.

Presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas (Faea), Muni Lourenço afirma que a rodovia terá efeitos positivos na economia.

“A BR-319 estando transitável o ano inteiro representará uma redução de aproximadamente de 50% do valor do frete para o transporte da produção rural até Manaus, principalmente vinda de municípios do Sul do Estado”, pontua.

Segundo ele, com o barateamento desse transporte, o menor custo poderia ser transferido para o consumidor. “Arroz, queijo, lácteos, carne bovina, frutas, mandioca, dentre outros alimentos produzidos no Sul do Amazonas chegariam a Manaus com custos e preços finais menores para o mercado consumidor”, diz o presidente da Faea.

Lula se contradiz, aponta cientista

Principal pesquisador sobre os impactos da BR-319, Philip Fearnside afirma que o fato de o governo Lula colocar a BR-319 como prioridade é “claramente contraditório” ao considerar o discurso do presidente durante a campanha eleitoral. Na ocasião, Lula se comprometeu com o desmatamento zero até 2030 e com a soberania das populações indígenas sobre seus territórios – estes também impactados com a obra.

“Esta rodovia teria um impacto ambiental muito maior que qualquer outra, já que levaria desmatadores do “arco de desmatamento” para cerca da metade do que resta da floresta amazônica brasileira. Todos os lugares com acesso por estrada partir de Manaus seriam atingidos, inclusive em Roraima, e estradas planejadas associadas à BR-319 abririam a vasta área de floresta entre o rio Purus e a fronteira com Peru”, afirma o pesquisador.

Para evitar o fenômeno ‘espinha de peixe (quando novas estradas nascem a partir da rodovia), Fearnside defende o abandono gradual da BR-319, no trecho do meio, e a manutenção das áreas mais populosas, próximas a Manaus e Porto Velho.

‘Indígenas afetados’

Comentário> Cleyton Jiahui, indígena de humaitá (AM)

Vão ser quase 22 povos indígenas afetados, mas não são só eles. O impacto atinge toda a população, eu sempre destaco isso, porque vai mudar toda uma realidade. Eu moro há cinco anos em Humaitá e nesse tempo muita coisa aconteceu. O cenário aqui está mudando por influência da rodovia. Aqui, temos sido um refúgio das pessoas que chegam pelas estradas que vêm de Lábrea, Pará e Manaus. Temos estado muito preocupados com o avanço dessas construções e com o desmatamento, o lixo ambiental e as queimadas. Quando eu penso na BR-319, não quero ressaltar só a questão ambiental, mas também as consequências sociais, que é uma coisa muito importante. Acredito que agora estamos em um governo do diálogo e acredito que as populações indígenas poderão ter um espaço para discutir essa questão da BR-319 e dos impactos na região. Acho que a proposta do Lula para a rodovia é boa, mas precisamos ter um cuidado sobre como vai se dar esse trabalho, o que vai competir a cada ministério.
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