Evento acontece hoje a partir das 15h, no Museu da Cidade, no Centro. Relembre um pouco da trajetória do poeta amazonense que partiu para a eternidade
Thiago de Mello, presente! O nosso poeta partiu para a Eternidade, e se estivesse entre nós, estaria completando hoje 97 primaveras. Para homenagear o escritor, a Manauscult e o Conselho de Cultura da Prefeitura de Manaus irão apresentar o SARAU POÉTICO “VENTO GERAL” no Museu da Cidade, antigo Paço da Liberdade, em frente à Praça Dom Pedro II, no Centro, às 15 horas, evento aberto ao público.
(Foto: Lily Sverner)
Thiago de Mello quando criança (Foto: Arquivo Familiar)
1950, formado em Medicina pela Universidade Federal do Brasil (UFRJ), já fazendo residência médica no Hospital Oswaldo Cruz, em Manguinhos, no Rio de Janeiro, Thiago teve o ímpeto − “escutou o chamado” – de levar seu caderno de poesia para Carlos Drummond de Andrade, que na época, era o Chefe de Gabinete do governador da Guanabara, Gustavo Capanema.
Sem ser indicado por ninguém, e com o caderno debaixo do braço, Thiago com 24 anos de idade, vai até o nono andar do Palácio Gustavo Capanema, apresenta-se de terno, gravata, e colete, lenço de seda no bolso e banhado com água de colônia inglesa para o Drummond. O poeta de “A Rosa do Povo” fica admirado pela figura e a verve do jovem médico amazonense e dedica-lhe boas horas de conversa desde os primeiros cronistas e as lendas. Sobretudo as lendas da cobra grande e do boto.
Thiago foi logo dizendo que era tudo verdade. “A Lenda porque lenda é verdadeira”. No final da conversa, Thiago pede para que Drummond leia um poema seu. Antes de abrir o caderno, Drummond, como se fosse um pai, alertou sobre a realidade da vida, “de que ninguém vive de direito autoral no Brasil”, e que todo escritor, todo artista precisa, antes de tudo, ter profissão, ter um emprego que lhe pague as contas. E deu exemplo:
− "Veja, eu sou funcionário público. Machado de Assis, funcionário público. Manuel Bandeira, professor. José Lins do Rêgo, juiz. Guimarães Rosa, diplomata, José de Alencar, senador. Todo mundo tem que ter emprego. Compreendeu?"
– "Com certeza."
– "Então, vejamos."
Drummond começou a ler o caderno. Leu do início ao fim, vidrado.
− "Onde aprendeste a métrica? A melodia? E estas imagens? As sílabas tônicas? Este caderno pode ficar comigo?"
− "Claro que sim."
Uma semana depois, Thiago sai do hospital, e quando passa na banca de jornal, vê o seu primeiro poema publicado na Imprensa, na primeira página do Jornal “Correio da Manhã”.
Foto Manuel Bandeira e Thiago de Mello, lançamento do livro Vento Geral, 1960 na livraria São José no Centro Histórico do Rio de Janeiro (Acervo Revista Manchete)
Sexta feira. No sábado, outro poema, e no domingo. Quando terminou o mês, Thiago foi na secretaria do jornal receber referente a 12 poemas publicados no mês. Recebeu bem. No segundo mês, Pompeu de Souza, o editor do “Correio da Manhã”, deu-lhe o cheque-mate: convida Thiago para trabalhar como cronista diário, de carteira assinada, salário fixo, mostrou-lhe sua mesa e sua máquina de escrever. É quando, então, Thiago vai optar pelo jornalismo. Na redação, estavam, só para citar alguns: Otto Maria Carpeaux, Manuel Bandeira, Rubem Braga, José Lins do Rego, e o Drummond. Olha a turma!
E é assim que o médico apaixonado e estudioso da Literatura, desde a época de menino, despede-se da Medicina para se dedicar às Letras, porém com a garantia de um emprego certo por outro emprego certo, sua carteira de trabalho carimbada. Thiago vai trabalhar para o Correio da Manhã, Diário Carioca, Jornal da Tarde, O Globo, Revista Manchete, etc.
E uma vez jornalista, aí sim, ele irá estrear como poeta. Seus primeiros livros “Silêncio e Palavra”, e “Narciso Cego” serão aplaudidos pelo público e pela crítica. Nomes como Aurélio Buarque de Holanda e Sérgio Milliet fazem parte da sua fortuna crítica, e o colocarão como um dos principais poetas da “Geração de 45” do Modernismo Brasileiro. Além de redator e cronista de periódicos nacionais, Thiago segue a carreira de poeta, tradutor, editor, secretário de cultura e diplomata.
Há vários fatores para que Thiago de Mello seja um escritor tão querido pelos países da América Latina. Primeiro pelo seu trabalho de Adido Cultural em diversas capitais latino-americanas, fazendo intercâmbio de artistas. Segundo, pela sua inquietação social, pela sua luta em defesa dos Direitos Humanos, uma vez que todos os países da nossa américa são irmãos nas crenças, nas festas e nas dores, também; porquê foram construídos sob a égide da mesma barbárie: a chegada dos europeus com naus, espelhos e canhões na intenção de explorar as riquezas naturais, a partir do século XV, pelos mesmos colonizadores espanhóis e portugueses, com iguais métodos de produção: a de capturar e escravizar os índios e os africanos. Respeitando pouquíssimas diferenças, as nossas histórias são, praticamente, as mesmas.
Do livro “ De Uma Vez por Todas” (Editora Bertrand, Prêmio Jabuti de Literatura, 1997):
“Incas, Ianomamis, Tiahuanacos, Astecas,
Maias, Tupis-Guaranis. A sagrada intuição
das nações mais saudosas. Os resíduos.
A cruz e o arcabuz dos homens brancos.
O assombro diante dos cavalos,
a adoração dos astros.
Uma porção de sangue abraçados.
Os heróis e os mártires que ficaram no
tempo
a espada de uma pátria maior.
A lucidez do sonho arando o mar.
As águas amazônicas, as neves da
cordilheira.
O quetzal dourado, o condor solitário,
o uirapuru da floresta, canto de todos os
pássaros.”
(...)
“Cinco séculos árduos de esperança.
De tudo isso, e de dor, espanto e pranto,
para sempre se fez,
lateja e canta
o coração latino-americano.”
Para ilustrar esta “paixão” o Acervo do poeta Thiago de Mello na Biblioteca do Museu Amazônico da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) tem um painel de Thiago declamando o poema “Os Estatutos do Homem” no Festival de Poesia de Medelín, na Colômbia, num auditório a céu aberto, para uma plateia de mais de 80 mil pessoas.
Capa do 'Estatutos do Homem', edição ilustrada por Aldemir Martins pela Martins Fontes ()
Escrito em resposta contra o Ato Institucional Número I do golpe de estado civil-militar de 1964, traduzido para todos os idiomas do planeta, e transcrito no mural da sede das Nações Unidas em Nova Iorque, a tradução no espanhol é de Pablo Neruda. Do Livro “Faz Escuro Mas Eu Canto” (primeira edição “Civilização Brasileira”, Rio de Janeiro, 1965):
Artigo I
“Fica decretado que agora vale a verdade,
que agora vale a vida
e que de mãos dadas,
trabalharemos todos pela vida verdadeira.”
(...)
Artigo VI
“Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.”
Artigo VII
“Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridão,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.”
Artigo VIII
“ Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar amor a quem se ama
sabendo que é a água
que dá à planta o milagre da flor.”
(...)
Parece que foi ontem, que o primeiro varão de Dona Maria e seu Pedro Thiago de Mello nasceu na fazenda de cacau seu avô Gaudêncio, no interior da floresta, numa casa avarandada de madeira, em frente ao Rio Paraná do Ramos, num lugar chamado Bom Socorro, no município de Barreirinha, fronteira de Parintins, em 30 de março de 1926.
A infância do menino Thiago o acompanhou para sempre. Do livro “Campo de Milagres” (da Editora Bertrand, Prêmio de Literatura Jabuti de 1999):
O MEU AVÔ E OS PÁSSAROS
“Meu avô Gaudêncio, homem bonito,
não sabia viver sem passarinho.
(Dele já disse com palavras antigas:
repartia a colheita de cacau
com todos os caboclos que ajudavam
no plantio, no trato e no ceifar
e secar as sementes no tendal.)
Mas com ele nem sombra de gaiola.
Sabia pelo canto, pelo bico,
pelas cores de plumas no pescoço,
das rêmiges, do peito, e da cauda,
pelo jeito de voar quando acordavam
ou pelo medo de pousar pulando
no parapeito largo da janela
como era a alma de cada passarinho”
(...)
Na floresta amazônica há uma lenda ancestral que diz que todos seus filhos que amam a floresta – os chamados espíritos de coração bom – esses espíritos não morrem, encantam-se. Thiago de Mello viajou para as estrelas, na Luz do Encantamento. Cabe a nós seguirmos em frente.