COP29

Países arrastam decisão do financiamento até o último dia da COP; Brasil fala em R$ 1,3 tri

Chamada de “COP do Financiamento”, a agenda tem como principal objetivo definir como deve ocorrer a provisão de recursos pelos países historicamente mais poluidores às nações mais pobres

Waldick Junior
Waldick@acritica.com
21/11/2024 às 14:10.
Atualizado em 21/11/2024 às 14:10

O acordo entre os países reconhece que países desenvolvidos devem prover “trilhões” aos mais pobres, mas não define o valor e nem detalha como. (AFP)

Baku - Após dez dias de discussões, os países ainda não chegaram a uma decisão sobre financiamento, o principal tópico da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29). O evento, realizado em Baku, no Azerbaijão, termina oficialmente nesta sexta-feira (22), mas já é quase unanimidade que as negociações deverão se estender até o fim de semana.

Chamada de “COP do Financiamento”, a agenda tem como principal objetivo definir como deve ocorrer a provisão de recursos pelos países historicamente mais poluidores às nações mais pobres, afetadas desigualmente pelos extremos do clima. É preciso estabelecer, principalmente, o valor anual de recursos e como será pago (se doações, empréstimos com juros baixos ou outras formas de financiamento). 
Nesta quinta-feira (21), foi liberado o primeiro rascunho do acordo, mas ainda vago.

É quase unanimidade que as negociações deverão se estender até o fim de semana, extrapolando a data oficial do fim do evento (Alexander Nemonov/AFP)


O texto reconhece que países desenvolvidos devem prover “trilhões” aos mais pobres, mas não define o valor e nem detalha o como. Durante plenária no evento, a ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, defendeu R$ 1,3 trilhão anual. A cifra é citada por outras nações emergentes.

“Para financiamento, como discutido no G20, e como aponta o grupo de alto nível em mudanças climáticas, trilhões são necessários por mais que alguns o considerem desafiador. Assim como colocamos os 1,5 ºC como nossa estrela guia em Paris, temos que colocar R$ 1,3 trilhão de dólares por ano como nossa estrela guia em Baku”, afirmou Marina Silva.

O maior receio do Brasil é que o acordo fracasse em fechar um “pacote completo” com as decisões que importam. Isso porque a COP 30 acontecerá em Belém (PA), no próximo ano. Logo, tudo o que ficar em aberto agora, refletirá diretamente na agenda de 2025, quando o governo Lula já quer falar em implementação de ações, não apenas sobre caminhos possíveis.

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima do Brasil, Marina Silva, defendeu o aporte R$ 1,3 trilhão anual. A cifra é citada por outras nações emergentes. (Waldick Junior)

 Caminhos

Especialista em finanças climáticas do Instituto Clima e Sociedade (iCS), Lucca Rizzo afirma que o texto apresentado até aqui ainda está longe da necessidade. Na avaliação dele, há dois extremos.

“A gente tem uma versão dos países desenvolvidos e uma versão das nações em desenvolvimento. Nas duas, ainda não há um valor. Isso é importante dizer. Então, não estamos discutindo uma quantia e isso é uma grande crítica dos países em desenvolvimento, porque as discussões estão acaloradas, mas ainda sem o central, o valor e como vai ser mobilizado”, diz.

Desde o início dos debates, os países mais ricos defendem aumentar a base dos que precisam financiar a adaptação e combate à mudança do clima. Já os mais pobres entendem que nações em desenvolvimento podem até doar, mas voluntariamente. Eles também pedem por mais provisão (doação ou empréstimos baixos), enquanto os mais ricos querem contabilizar financiamento por “mobilizações”, o que poderia incluir empréstimos aos países mais  pobres, por exemplo.

“Um meio de caminho entre essas versões dos países é uma abordagem sugerida pela Colômbia e aplaudida na plenária. Uma solução boa seria ter um valor mínimo de financiamento público, de doações, e tem que ser um valor ambicioso, muito maior do que a meta de US$ 100 bilhões anuais. Um valor na casa do trilhão. Além disso, um valor adicional de outras fontes mais abertas, como financiamento privado, mas complementar”, sugere Lucca Rizzo.

Negociação complicada

Diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raíssa Ferreira avalia que as discussões têm sido difíceis nas quase duas semanas do evento. Ela  destaca um ponto que assombrou os países em desenvolvimento durante toda a COP. O pedido das nações ricas para que nações emergentes e muito dependentes de combustíveis fósseis, como China e Arábia Saudita, entrassem na lista de doadores com alguma obrigatoriedade.

“Tivemos que batalhar para que o óbvio estivesse no rascunho do texto final: que o financiamento é responsabilidade dos países desenvolvidos e deve ser destinado aos países em desenvolvimento; e que os poluidores devem ser responsabilizados pela emergência climática que enfrentamos”, disse.

Riscos

Um texto tão aberto também preocupa, especialmente porque pode acabar afrouxando a responsabilidade dos países historicamente mais poluidores, segundo alguns analistas. É o caso do diretor do Climate Action Network South  Asia, Sanjay Vashist.

“Nossa maior preocupação é que este texto tenta explicitamente corroer todas as referências à obrigação histórica dos países poluidores de pagar sob o Acordo de Paris e é uma tentativa de preparar o terreno para uma meta de financiamento global liderada pelo setor privado com responsabilidade mínima sobre os países desenvolvidos”, avalia.

*O repórter que assina esta matéria viajou a Baku, Azerbaijão, a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)

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